Em POLÍTICA PARA PERPLEXOS o Autor DANIEL INNERARITY nos presenteia com uma obra atual. Com falas contundentes, o filósofo percorre ambientes sociais e políticos contemporâneos, abrindo portas para temas árduos e que normalmente são motivos de discórdia no cotidiano dos cidadãos brasileiros.
Observo que Innerarity fala a partir da política europeia, e principalmente da Espanha, seu país de origem. O relato que nos chega do Continente Europeu não se afasta da realidade que vivemos na política brasileira e, com uma certa dose de brasilidade, será possível abordar as mazelas da política nacional a partir das reflexões do filósofo.
Farei um breve release da parte III desta obra, meu objetivo é convidá-lo a conhecer o autor e colocar em debate temas comportamentais que orientam minhas análises.
Venha comigo e vamos juntos explorar a investigação de Innerarity sobre a Política em uma Zona de Sinalização Precária.
Para o autor, apesar de estarmos num mundo carregado de informações sobre como se comportar, as coisas ficam complicadas quando deixamos de nos mover em espaços físicos para nos movimentar no meio político, onde há uma dimensão menos evidente dos significados e valores que estão envolvidos. Ao buscarmos saber em que consiste a legitimidade, a democracia, quem tem autoridade ou não para decidir e o que decidir, entramos em um campo nebuloso, onde as certezas se deslocam tornando-se duvidosas em alguns casos.
O debate binário que conhecemos e utilizamos é uma forma segura de estabelecer a análise, pois, nos permite saber onde estamos e quem somos quando a política entra em uma zona de sinalização insuficiente.
NÓS E ELES:
Nosso autor aborda a política binária a partir de exemplos e problematizações sobre os povos islâmicos e os ataques ocorridos na França há alguns anos. Veja, não se trata de uma defesa ou crítica mais contundente, mas da problematização desse nós. No caso, o nós em questão é a civilização ocidental e suas certezas sobre o mundo e todos os outros que não pertencem ao nosso grupo.
Eles, no exemplo da política brasileira e falando a partir do sul do Brasil, são os nordestinos. Afinal, nós sulistas aos olhos de uma parcela significativa de políticos, parecemos ser um outro povo, um povo que não existe sob o mesmo território. É possível para esta casta de brancos sulistas imputar a culpa nos nordestinos sem ruborizar, confundindo e novamente binarizando o debate político. Não levamos em consideração a existência das diferenças culturas, da origem africana, do clima e por que não dizer inclusive das oportunidades. A partir do sul, segregamos o norte e rapidamente encontra-se justificativas para derrotas e vitórias.
O TERRORISMO E A GUERRA:
“Quando era possível distinguir entre amigos e inimigos, o mundo ao menos estava em ordem”. Magistral esta frase.
Num mundo em que o inimigo não é mais identificado não existe mais ordem. Para o autor, perdemos as referências, inclusive em saber quem é o vencedor e quem é o perdedor, à medida que o terrorismo despersonifica o agressor. Não me parece que seja muito diferente dos crimes cometidos pelo novo cangaço, ou dos ataques de facções como o PCC. A inexistência das fronteiras e dos limites que determinam o local do inimigo nos lança em uma confusão incerta e indefinida no modo de solucionar e agir contra o terrorismo. Vivemos em nosso 8 de janeiro o modo tupiniquim da incerteza, insegurança e barbárie onde as instituições não souberam agir, afinal, desta vez o inimigo que chegava vestido de verde e amarelo com celular na mão e uma conta no Facebook, tonou-se o terrorista de uma nova era da democracia brasileira.
A NOSSA E A SUA RESPONSABILIDADE:
Algo está claro, “a culpa será dos outros”. Reconheceu-se nesta frase? Eu sim, pensa comigo, quase sempre imputamos a culpa aos outros. Mesmo nas pequenas coisas do cotidiano; Pense no trânsito, na culpa permanente dos outros motoristas. Relembre sua última participação em reuniões familiares, sempre tem um culpado na história e ele sempre será o Outro. Se a economia brasileira não vai bem a culpa é da política, e não faltará aquele que culpe a economia pelas mazelas da política. Não sabemos reconhecer a inaptidão para abordar determinados temas, e a incapacidade de lidar com eles. Invariavelmente, todos tem respostas para todas as questões e, verdadeiramente, poucos sabem alguma coisa. Sugere o autor: “Devemos abandonar a inocência confortável de conceber a responsabilidade como algo que sempre pertence aos outros.”
O QUE FAZEMOS COM AS NAÇÕES:
“Se alguém fizer uma descrição de qualquer problema e o primeiro resultado for um campo binário, polarizado e sem espaço para posições matizadas ou intermediárias, esteja certo de que o diagnóstico não foi bem-feito”
A CASTA E AS PESSOAS:
Para Innerarity, o tempo é de incerteza e ter a quem culpar nos traz uma enorme felicidade e satisfação, afinal, temos onde descarregar nossa raiva. O antagonismo consolador (adorei este termo), é exercido por contraposição do tipo a casta e as pessoas.
Vejamos: O sistema e o povo (tem até uma minissérie que se chama O Sistema), os perdedores e os que ganham com a crise e assim vai. Sempre teremos campos binários e que contrapõe uma personalidade intangível com a nossa realidade.
Daniel nos oferece vários exemplos que tocam a democracia a e política, contrapondo a forma de manifestar as posições seja à direita ou esquerda e inclusive em um populismo de direita. O que lhe interessa é a busca por uma forma que permita a argumentação sem que se afete os direitos daquele que não pensam como nós.
É democrático retirar-se após a derrota permanecendo reconhecido e ativo no debate da agenda política do vencedor. Não é preciso exterminar seu oponente. Novamente o campo binário não deve prevalecer no diagnóstico.
CONTRA O ANTIPOPULISMO:
Para o autor os conservadores não são afeitos a intervenções afeitas ao povo, ou seja, conservam sua posição, enquanto os populistas a fazem sem calcular exatamente seus riscos.
A posição binária é observada novamente, sendo populistas e conservadores antagônicos um ao outro. Nosso autor questiona justamente por que dessas estruturas hegemônicas se manterem perenes, impedindo verdadeiros avanços sociais e políticos, tendo em vista a competição entre os dois campos políticos e fatalmente as raras oportunidades de verdadeiro avanço.
Na sua avaliação, a função das instituições políticas é de garantir a igualdade ou assimetria social, algo que conservadores e populistas terão permanente dificuldade em realizar.
QUEM É QUE MANDA AQUI:
A influência do poder que não possui controle, este é o tema. Para nosso autor, estamos sujeitos a influências e decisões de poder realizadas por instituições que não estão sujeitas ao controle. Ainda, ele coloca com sabedoria a transitoriedade do poder nas democracias, que acaba por trocar de mãos, sem que possa ser capturado por ninguém.
A democracia é um espaço de dúvida, conflito e invenção imprevisível. O Poder não pertence a ninguém, é um lugar vazio ocupado apenas provisoriamente.
DESTROS E CANHOTOS:
A confusão ideológica entre uma direita progressista e uma esquerda conservadora. A uma confusão de papéis que nos remete ao dilema de como continuar com a modernização. É necessário avançar, mas necessário avaliar as consequências que se originam do avanço (penso na Inteligência Artificial como um exemplo). Mesmo trocando a direita e a esquerda, por canhotos e destros, chegaremos à complexidade da política que sempre acabará por delimitar de forma pouco maleável os campos de atuação. Para outros, como nós, a complexidade com uma rede de possibilidades parece ser quase uma aventura, principalmente pelo grau de dificuldade de sua realização.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia (Labô) e Diretor no Instituto Methodus. Nos últimos vinte e três anos, orientou políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Santa Catarina, Tocantins, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.
Gostou da dica? Política para Perplexos – Daniel Innerarity – Ed. Vozes, 2021.
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