Eu poderia iniciar este texto com a seguinte afirmativa: eleitoras concordam que “Homens são melhores líderes políticos que as mulheres”. O impacto desta frase geraria, naturalmente, uma grande revolta, e faria com que você, leitor e leitora, não continuasse a ler o restante desta análise. Porém, calma! Partiremos na reflexão de alguns pontos importantes na história política, onde entenderemos os principais acontecimentos, para depois retornarmos à nossa afirmação do início deste parágrafo.
Há exatos noventa e um anos, adquiriu-se o direito de voto sem restrições e o direito a elegibilidade as mulheres brasileiras, depois de inúmeros processos e lutas para que esses direitos fossem conquistados. Estes direitos adquiridos são tão recentes, que se procurássemos, encontraríamos eleitoras que passaram por esse processo e poderiam desenvolver a narrativa da mudança social que este processo possibilitou.
Em 2010, passados setenta e oito anos da data que marcou a elegibilidade feminina (24 de fevereiro de 1932), o Brasil conseguiu eleger sua primeira e única representante do Executivo, Presidente Dilma Rousseff, que, durante o pleito eleitoral foi apoiada pelo então presidente Lula, uma figura masculina que legitimou e deu ênfase a esta candidatura, e que posteriormente foi reeleita em 2014.
Dados concretos, questionamentos abertos:
Hoje, o Executivo conta com um percentual de 29,7% de ministras de Estado (11 em um total de 37 ministérios), mais que o dobro da última gestão executiva (2018-2022). Já o senado federal, em sua 57º legislatura, conta com 15 senadoras em um total de 81 cadeiras (18,5%). A representação das mulheres na 57º legislatura da Câmara dos Deputados é também escassa, 98 mulheres foram eleitas deputadas federais em um total de 547 representantes (17,9%).
Os questionamentos que se seguem, na presença desses dados são: Como, em uma sociedade onde o gênero feminino representa 53% de eleitores aptos, com menor taxa de abstenção nas três últimas eleições presidenciais, em comparação com os eleitores do gênero masculino (nas eleições de 2014, 18,3% do percentual de eleitoras se abstiveram do voto; nas eleições de 2018, 19,7% das eleitoras aptas se abstiveram, e em 2022, 19,86%), possui uma taxa de representação média de 22,0% do total de representantes nos poderes executivo e legislativo deste Estado? Porque, mesmo com políticas afirmativas, as candidatas não são votadas?
Respostas abertas, leis “representativas”:
Início a resposta a esses questionamentos tratando das políticas afirmativas já implementadas neste Estado. A Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições) determina que, em seu artigo 10, parágrafo 3º “Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, e é reestabelecida pela Lei 12.034/2009, que tornou impositiva essa regra. Também é determinado que o fundo partidário seja de, no mínimo, 30% de investimentos em candidaturas femininas de cada legenda.
Em se tratando de esforços para o incentivo de candidaturas femininas, as políticas afirmativas dão um passo adiante na tentativa de uma formação de democracia representativa, entretanto, sabe-se que grande parte das lideranças partidárias é composta por homens, que são os principais tomadores de decisão no lançamento dos candidatos e candidatas de suas legendas.
Estudos Eleitorais realizados pelo TSE apontam que, mesmo com a determinação de cota mínima para candidaturas do gênero feminino, muitas das mulheres indicadas (e deixo claro que não me refiro somente a mulheres no âmbito biológico da palavra), mesmo com todas as condições de elegibilidade, sequer possui animo de exercer efetivamente seu dever público, seja por escassez ou falta de votos ou pela quase nenhuma participação no processo eleitoral. Ou seja, teoricamente, a cota de candidatura mínima seria um indício de políticas representativas em vigor, porém, na prática, serve, na maioria das vezes, somente para inclusão de mulheres figurativas para que seja aprovado o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP).
Dito isso, chega-se a outro ponto fatorial. Tem-se a imposição da lei, representada pelas cotas de gênero, porém, das mulheres que realmente se candidatam e participam ativamente do processo eleitoral, poucas realmente conseguem se eleger. Aí entramos no segundo questionamento deste artigo: Por que não são eleitas? Quais fatores comportamentais e sociais determinam a escolha de um candidato masculino em detrimento da escolha de uma candidata feminina?
A escolha do gabinete cor de rosa:
Historicamente, os papeis de gênero na sociedade eram: A mulher, como responsável pela família, os afazeres domésticos e o provimento do bem-estar de seu cônjuge; e o Homem, como o responsável pelo provimento material e financeiro desta família. É aquela velha história: lugar de mulher é na cozinha, ou como pensava Comte, a maior missão (e única) das mulheres é bem educar os filhos e zelar pelo lar.
Obviamente, com a luta das mulheres por igualdade de gênero na sociedade, alguns desses paradigmas já foram quebrados, mas, pensando que a família, que é a primeira instituição social a qual o indivíduo se insere; é a principal perpetuadora de capital cultural no estado incorporado e capital social, e que vivemos em uma sociedade considerada moderada, ou em outros termos, conservadora, segue a reflexão: será que esses paradigmas estão realmente sendo quebrados?
Em estudos internos recentes, as mulheres consideram mais importante a família do que a política, se consideram com menos informações sobre o processo político do que os homens e evitam falar sobre política com seus pares pois não consideram o assunto agradável ou pois, ao tocar no assunto, sempre acaba em briga.
Também, nestes estudos, foram constatadas as afirmações: “Quando a mãe tem um trabalho remunerado a família sofre”; “Ser dona de casa traz tanta realização quanto trabalhar fora e ganhar salário”; “De modo geral, os homens fazem negócios melhor do que as mulheres” e “De modo geral os homens são melhores líderes políticos que as mulheres”.
Retomo aqui, agora com a observância cientifica, a primeira afirmação do nosso texto. O grau de concordância do gênero masculino a estas afirmações é superior ao feminino, porém, chama a atenção que, em frases que espelham sentido de fragilidade e inferioridade de gênero, há adesão por parte de representantes femininas.
Soma-se a esses fatores, e é importante ressaltar, que a maioria do eleitorado feminino no Brasil, e porque não dizer da população como um todo, está longe de um modelo de autonomia, lucidez e informação, pois trata-se de uma população de baixa renda, dependendo de serviços públicos escassos e, muitas das vezes, de baixa qualidade, e que cujas necessidades primordiais estão atreladas a sobrevivência (alimentação, saúde, educação, moradia).
Se, na condição de eleitoras e candidatas, ainda existem padrões conservadores disseminados, se ainda permeia nas mentes dos cidadãos brasileiros agentes condicionantes de inferioridade e fragilidade, todo o enfrentamento por maior representatividade nas esferas deste Estado entra em choque com esses valores. E, a partir dessas identificações começa a tornar-se claro a não adesão às candidatas.
Chegamos aqui a uma possível concordância e quem sabe, a resposta para alguns dos questionamentos e argumentos que tratam da não adesão às candidaturas femininas na Democracia Brasileira. Já discorremos sobre os trâmites políticos, e comportamentais, e agora faremos um exercício para que possamos elucidar todos esses pontos apresentados. Como mulheres, estamos acostumadas a dar conta de todas as atividades incluídas no nosso dia: Vida profissional, carreira, filhos, família etc. Como mulheres e mães, quando buscamos uma vaga de emprego, estamos acostumadas a nos depararmos com o questionamento: “Com quem ficará seus filhos para que você possa trabalhar?”. E como mulheres, naturalizamos tanto essas atividades corriqueiras e questionamentos sobre as condições de gênero e papeis de gênero que acabamos disseminando esses padrões, inclusive nas nossas escolhas políticas.
Portanto, é possível afirmar que, para os eleitores e eleitoras, torna-se mais seguro manter no poder nomes que já estão fazendo parte do quórum político (até porque pesquisar sobre o processo eleitoral, sobre a vida política dos inúmeros candidatos, assistir a debates e comparar os programas de governo é algo pouco acessível para grande parte da população) e manter a hegemonia política (tradicionalmente masculina) do que investir suas moedas em novos candidatos e principalmente candidatas que, na teoria, representariam somente uma parcela dos interesses públicos e que deixam dúvida se dariam conta de todas as atividades familiares e profissionais que possuem. Ou seja, enquanto esses padrões culturais e hegemônicos manterem-se disseminados e perpetrados nos eleitores e eleitoras, não teremos uma Democracia Plena e representativa. Logo, pode-se afirmar categoricamente que assim, a democracia está sob ameaça.
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