A mitologia grega nos apresenta dois deuses responsáveis pelo controle do tempo: Kronos e Kairós. Tirano e cruel, Kronos mede e quantifica o tempo do início ao fim dos dias, ditando aos humanos o que deve ser feito. Seu poder é o exercício de uma eterna soberania, ao demonstrar que com o passar do tempo, nada dura para sempre, tornando a impermanência a regra geral da existência.
Por outro lado, Kairós é o deus da conveniência e da oportunidade. Sendo um deus ágil e veloz, só é possível pará-lo enfrentando-o de frente, pois quando o deus da oportunidade passa, não há como fazer com que retorne. Neste sentido, Kairós aponta a necessidade de se aproveitar o momento oportuno, tornando-se necessário agir na hora certa.
Ao comparar as características desses dois deuses mitológicos, e inserindo-os dentro do contexto histórico da necessidade de uma reforma tributária no Brasil, Kronos é o longo prazo, com a inferência dos impactos tributários junto aos entes subnacionais (estados e municípios); enquanto Kairós é a atual oportunidade política, para a aprovação e implementação das alterações tributárias necessárias, visando o aumento da produtividade, um maior crescimento econômico sustentável e o estabelecimento do desenvolvimento regional, nas diferentes regiões do Brasil.
Estudos indicam, que a existência da má alocação ou aplicação dos recursos de uma economia (trabalhadores, investimentos, gastos públicos, etc), decorrentes de fatores internos e sistêmicos, como por exemplo, a estrutura tributária de um país, podem prejudicar a produtividade de toda a economia. Isto porque, os recursos disponíveis para produção são distribuídos pelo território nacional, considerando apenas os aspectos tributários (realização de investimentos onde a alíquota de um determinado imposto é menor, como nos casos de guerra fiscal), sem considerar aspectos como infraestrutura, tecnologia e qualificação técnica dos trabalhadores, o que gera uma distorção na distribuição dos recursos ao longo do território nacional.
Considerando, que a produtividade mede a capacidade de transformação de insumos e fatores produtivos em serviços e produtos finais, a complexidade de um sistema tributário gera distorções e impactam negativamente a produtividade da economia, o que irá implicar também, na dificuldade de garantir um crescimento econômico sustentável no longo prazo. Assim, um crescimento econômico minguado, faz com que se tenha uma redução de riqueza para a população em geral (salário, lucros, etc.), como também, uma repartição de impostos entre os entes federados de forma desequilibrada, o que consequentemente, impacta o desenvolvimento regional, fazendo com que municípios, estados e regiões do Brasil tenham elevadas diferenças na geração e retenção da riqueza, colocando em risco o Pacto Federativo.
No estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (IPEA), intitulado Impactos redistributivos da reforma tributária: estimativas atualizadas, o pesquisador Sérgio Gobetti e a economista Priscila Kaiser Monteiro, apresentam estimativas do impacto redistributivo, decorrentes da implementação da reforma tributária, para as receitas dos municípios e estados, com base no texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, que foi aprovada pela Câmara do Deputados e que tem previsão de votação no senado, no mês de novembro de 2023.
Segundo o Estudo, em termos quantitativos a reforma tributária será benéfica e garantirá ganhos para pelo menos 60% dos estados e 82% dos municípios, levando em consideração os impactos positivos da reforma sobre o Produto Interno Bruto (PIB), bem como, os impactos indiretos sobre o total das receitas tributárias do Brasil. Dentre os municípios que terão ganhos e serão favorecidos pelas novas regras, eles reúnem a maior parcela da população brasileira (70% do total da população).
Ainda, os benefícios atingem municípios menos favorecidos, o que representa 98% das 108 cidades brasileiras mais populosas e pobres, com PIB per capita abaixo da média brasileira, que compõem o grupo de cidades com mais de cem mil habitantes, da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Destaca-se que tal resultado, não depende dos níveis de crescimento do PIB, mas sim, apenas da aplicação da reforma tributária no País.
Dos 5.569 municípios, 4.539 ganhariam com a reforma tributária, enquanto 1.030 municípios, teriam suas fatias do bolo tributário reduzidas, com destaque para onze capitais e dois municípios com mais de cem mil habitantes. Porém, os municípios “perdedores” serão beneficiados por uma regra de transição de cinquenta anos, com compensação das perdas, conforme a transição vai progredindo.
A PEC nº 45/2019, prevê um fundo “seguro-receita”, que servirá para compensar as perdas de receita de 1.030 municípios, devendo ser repartido aos que apresentarem maior perda relativa. O fundo, deverá beneficiar os chamados “perdedores”, que poderão apresentar redução na participação na arrecadação tributária, com a implementação da reforma. Diante de tal contexto, o cenário para todos os municípios brasileiros é bastante desafiador, independente se o município ganhará ou perderá espaço no bolo tributário.
Para o IPEA, a nova reforma tributária irá propiciar aos municípios uma melhor distribuição da arrecadação total, promovendo assim, impactos positivos na economia, gerando crescimento econômico sustentável, em decorrência de regras mais claras e de simplificação do sistema de tributação no País. Os municípios que ganharão uma maior parte da arrecadação tributária brasileira, deverão aplicar de forma eficiente os recursos públicos, orientando as políticas públicas para inovação na gestão, direcionadas à desburocratização, para melhorar o atendimento aos cidadãos e garantir a efetividade das políticas públicas.
Os municípios que perdem a participação na arrecadação tributária, mesmo com a previsão de um fundo de compensação de receitas, durante o período de transição (cinquenta anos) da reforma, terão de construir espaços de governança, que possibilitem não só a escolha, elaboração e implementação de políticas públicas, mas principalmente, que os conflitos políticos em seus diferentes níveis, sejam expostos e estejam sujeitos à coordenação e gestão política. Isso possibilitará que os conflitos sejam orientados à cooperação, fazendo com que a construção de soluções estabeleçam os desenvolvimentos local e regional.
A possibilidade de aprovação e implementação de uma reforma tributária no Brasil, demonstra de forma inédita que a atual geração de gestores públicos brasileiros irá agradar tanto Kairós, o deus da oportunidade; quanto Kronos, o deus do longo prazo. Ao se agir agora, há a possibilidade de um futuro com crescimento econômico sustentável e de longo prazo, estabelecendo um desenvolvimento regional mais parelho, com os desafios a serem enfrentados pelos municípios, por meio de decisões políticas baseadas em orientações técnicas.
Mario de Lima é doutor em economia. Como economista, professor, consultor e escritor atua nas áreas de gestão pública, políticas públicas, finanças públicas, educação, governança e desenvolvimento regional. Exerceu diversos cargos como assessor, conselheiro e gestor na administração pública brasileira.