As idas e vindas do comportamento político na democracia encheriam páginas de muitos livros. Olhando de perto, podemos sinalizar uma série de atitudes que nos chamam a atenção e que podem ser pensadas sob a luz de uma pesquisa mais detida. Nesse artigo, quero recuperar uma situação causadora de perturbações bem localizadas e específicas, mas que nem por isso deixam de merecer a nossa atenção.
Eu me refiro aqui à atitude de um eleitor que se exime da responsabilidade de ter ajudado na eleição de um candidato que não conta com a sua admiração. Nesse caso, essa fala se dá em direção àquele que fez essa escolha. O problema aqui é a chegada de um acordo em relação a comprovação de que de fato um candidato é melhor que o outro ou vice-versa. E isso, uma vez que quem vota, costuma possuir uma identidade pré-estabelecida com um ou outro lado e, portanto, sempre permanece nas mesmas escolhas.
A sensação que se passa é que essa isenção é manifestada como uma agressão àquele que fez a escolha errada, sendo que quem assim se manifesta passa um ar de superioridade ou até mesmo de premonição, como se já soubesse o que ia acontecer. Sem que eu me apoie em estudos e pesquisas empíricas, o que me parece é que sentir-se superior, reproduz em nosso país uma atitude de desforra ou de chamada à responsabilidade. Mas passa também pela provocação que quase coloca o outro na condição de ignorante.
Sabemos que situações como essas tendem a reproduzir toda sorte de males entendidos acumulados nas relações intersociais. E mais especificamente, em nosso país, esse tipo de atitude pode sempre estar a serviço da lembrança de que cada um tem que ficar no seu quadrado. E aqui eu estou me dirigindo aos capitais simbólicos envolvidos que, de acordo com o sociólogo, Pierre Bourdieu (1930-2002), vem à tona nas lutas que opõe uns aos outros no campo político. Mas nesse caso, o que se politiza é o suposto conhecimento que cada um tem sobre esse tema, sendo esse o capital de cada um.
A sensação que se deseja aparentar de não ter nenhuma responsabilidade sobre o resultado das eleições não conta com lastro algum, ao menos quando pensamos nas escolhas que são feitas num sistema democrático. Cada um escolhe, em princípio acreditando que está fazendo o melhor que pode. Claro que se estivéssemos falando de uma manifestação de apoio a um líder totalitário, a atmosfera seria outra. Mas esse não é o nosso caso aqui descrito e apresentado.
A questão é que alguns se julgam mais preparados para as escolhas políticas do que outros. E, mesmo que tentássemos demonstrar que um governo anterior ao do seu desafeto, tenha alimentado suspeitas que vieram inclusive a se configurar na sua desvantagem eleitoral, não chegaríamos a lugar nenhum.
Esse tipo de percepção tem dado o ar de sua presença uma vez que é uma fonte segura de ressentimento, ou seja, basta notar que isso ocorre há muito tempo. E na polarização política, reforçar o desafeto político pode ser um estímulo a mais para se votar ou mesmo para atuar nas câmaras de eco e provocar engajamento.
A agressividade nas redes sociais possui uma estratégia de ação – quase uma engenharia do ódio – que tenta fisgar aquele eleitor desavisado e pronto para se engajar. Os algoritmos políticos são predispostos para exatamente fornecer mais do mesmo ao eleitor enviesado. E esse viés, em princípio, não precisa ter orientação política: ele pode ser uma oportunidade para que isso ocorra.
A habilidade que vem sendo lapidada nas campanhas políticas é a de perceber e até se antecipar às mais diversas trends que pipocam nas redes sociais, bem como o de pressentir o que pode estar remetido a algum tipo de ressentimento ou de percepção de raiva ou angústia. Tudo isso tem mais facilidade de acontecer uma vez que a subjetividade e o afeto que lhe é parceiro encontram-se aproximadas das expectativas que se tem em relação à política.
É isso que justifica a lógica da situação que trouxemos aqui nesse artigo e a pertinência de uma conversa como a que exemplificamos aqui. São os afetos envolvidos, o ressentimento e a sensação de desforra que dão lugar para a percepção da política em nosso país. É hora de se pensar num pool de profissionais que se envolvam nas campanhas politicas, sejam eles psicólogos, relações públicas ou sociólogos.
Como candidato nas próximas eleições em 2024, o que você pensa sobre isso?
Fernando Amed é Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do LABÔ.
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