Para iniciar este artigo, é necessário recorrer a um conceito familiar a todos e frequentemente atribuído a outros: a culpa. “Immanuel Kant a define como uma transgressão involuntária, mas imputável; quando voluntária, é denominada delito (Abbagnano, 2018)”.
A recente divulgação sobre os impactos da enchente em Porto Alegre abordou a avaliação da responsabilidade pelos alagamentos na capital. Em suas respostas, nossos entrevistados invariavelmente atribuíram a culpa aos governantes, sem distinguir suas funções ou alcance de suas responsabilidades. Para eles, a culpa tem nome e sobrenome, resultando na diminuição da confiança e na capacidade futura em administrar as consequências das cheias e, consequentemente, na perda de legitimidade política.
Inegavelmente, para a maioria, as declarações empoladas de nossos governantes parecem estar aprisionadas numa realidade que não condiz com a enfrentada pela população alagada. Daí surgem manifestações de indignação, revolta, insatisfação e responsabilidade, condenando sem julgamento todas as instâncias representativas de alguma forma ligadas à tragédia que estamos enfrentando.
A possibilidade de assumir a culpa, em nosso Estado contemporâneo, é interpretada como sinônimo de fraqueza política. Políticos, que dependem invariavelmente da reputação de sua imagem pública, resistem ao máximo quando convidados a se desculpar. Segue-se ainda um comportamento que não condiz com nossa trágica realidade. Reiteradamente, ao se dirigirem a população, com semblantes sérios, vestindo coletes laranjas, dando entrevistas e repercutindo suas ações em mídias digitais, observa-se a ausência de empatia que vem sendo substituída pela terceirização da responsabilidade.
Nesse sentido a atribuição da responsabilidade, a partir do julgamento dos próprios afetados, direta ou indiretamente, pela tragédia que assolou o nosso estado, está posta e influenciará profundamente as escolhas de outubro de 2024.
Ao desprover-se da personalização do cargo, o político revela compreensão sobre o significado da Instituição que representa. Ao se desculpar, ele obtém espaço para reconciliação.
Ainda há tempo para reparação, que pode chegar à população através de um sincero pedido de desculpas de nossos governantes.
O pedido de desculpas de forma sincera não apenas restauraria a confiança pública, mas também poderia representar um passo crucial na construção de uma governança mais empática e eficaz.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia – Labô, Consultor e Diretor no Instituto Methodus. Nos últimos vinte e cinco anos, orientou campanhas eleitorais, políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Tocantins, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.