Divulgamos recentemente uma série de avaliações dos Prefeitos da Região Metropolitana de Porto Alegre e, para sua realização, optamos por solicitar ao entrevistado um nota de 1 a 10 para o Prefeito de cada cidade contemplada no ranking. Naquela oportunidade, expliquei os motivos e as vantagens em avaliar o administrador através de uma nota, detalhado na análise sobre as justificativas para a nota obtida pelo Prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo – MDB.
Aqui, no Instituto Methodus, seguimos investigando e procurando a cada dia compreender mais detalhes da nossa complexa Democracia. Nossa sociedade passou por profundas transformações nos últimos vinte e três anos, e hoje, encontramos mais perguntas do que respostas. Nossa Democracia aguardará na sala de espera até que consigamos compreendê-la melhor?
Neste sentido parece-me que a antecipação da razão, apresentada em resultados de pesquisas, será melhor compreendida se nos dedicarmos a conhecer a história por detrás dos resultados eleitorais das últimas eleições no Brasil.
As eleições municipais de 2020 se realizaram em um momento crítico de nossa nação. Em meio a pandemia do Coronavírus, fomos às urnas escolher os prefeitos que tomariam posse em janeiro de 2021, período delicado para a população brasileira que sofreria com o avanço das mortes e da contaminação pelo Covid, impondo restrições de circulação, medo e apreensão por todo o país. As circunstâncias inéditas daquele ano estabeleceriam o contexto para a eleição dos Prefeitos da pandemia. Haviam sido modificadas as condições para participação no processo democrático tradicional que conhecíamos até aquele momento. Observávamos por todo o país a presença do medo, da ansiedade, da insegurança, da incerteza, do sofrimento, do abandono e da perplexidade, um conjunto de sentimentos que transpassava a sociedade, influenciando diretamente as justificativas que o eleitor encontrava para escolher os candidatos naquela eleição.
Foram incontáveis os casos em que o eleitor optou pelo menor risco, elegendo aqueles que, naquele momento, atendiam as suas necessidades de sobrevivência. Para alguns isto significava o aprofundamento de ações restritivas à circulação/lockdown e a adesão à vacinação, e, para outros, significava a abertura imediata do comércio, a flexibilização das restrições de circulação e adesão ao tratamento precoce, como opções na tentativa de salvar a economia que estava cambaleante após meses de estagnação. Portanto, devemos nos afastar da ignorância e da hipocrisia e nos esforçar para compreender que as decisões de voto, realizadas naquele 2020, em grande parte foram binárias, ou a escolha entre o abre ou fecha.
Neste contexto não houve espaço para o crescimento de posições intermediárias, pois, mesmo que o eleitor considerasse as outras qualidades dos candidatos, era necessário firmar o compromisso de que, se eleitos, atenderiam a um ou outro lado. Foi assim por todo o Brasil e em cada cidade do nosso território é possível encontrar justificativas que nos permitem compreender por que este ou aquele candidato foi eleito.
Para compreender este evento histórico e utilizá-lo como chave interpretativa para as próximas eleições municipais, devemos retornar às eleições de 2020. Para isso, iremos conhecer o comportamento do eleitor em dez capitais brasileiras, quando foram eleitos os Prefeitos da pandemia.
Início chamando a atenção ao conceito de Desalento Eleitoral (acesse para conhecer o conceito), que é a soma dos eleitores que se abstiveram, votaram em branco ou nulo, e o que há de comum entre eles é o fato de não destinarem seu voto a nenhum candidato. Portanto, Desalento Eleitoral = (Voto branco + Voto nulo + Abstenção).
Nossas capitais chegaram ao ápice do Desalento Eleitoral em 2020, batendo todos os recordes, e as eleições daquele ano resultaram na menor participação de eleitores dos últimos vinte e três anos da história das eleições no Brasil.
Ao somar os eleitores das Capitais do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Manaus, Recife, Fortaleza e Belém, chegamos ao total de vinte e cinco milhões (25.431.520) de eleitores. Destes, nove milhões e oitocentos mil (9.829.879) são desalentados, ou seja, não participaram do processo de escolha, chegando à casa de 39% do total de eleitores que estavam aptos a votar naquela eleição. Um percentual que, por si só, já é surpreendente, e quando analisado individualmente fica ainda mais preocupante. Observe a comparação do desalento eleitoral em cada capital:
Os prefeitos Eduardo Paes do Rio de Janeiro, Bruno Covas de São Paulo (in memoriam), Rafael Greca de Curitiba e Sebastião Melo de Porto Alegre, comparativamente, receberam um percentual inferior de votos nominais ao percentual de eleitores que votou em branco, nulo ou não compareceu – Desalento Eleitoral. Nestas quatro capitais os eleitores, que não participam da escolha dos candidatos, chegam à casa dos 48% dos votos que estão em disputa, reduzindo dramaticamente a quantidade de votos conquistados pelas candidaturas vencedoras.
Nas demais capitais que avaliamos, não é diferente. Apesar de individualmente estarem acima do percentual de eleitores desalentados, os prefeitos eleitos não conquistam uma votação expressiva, recebendo, numericamente, uma votação inferior à que foi obtida pelos eleitos na disputa de 2016.
Observo que para nossa democracia representativa, os resultados que analisamos não modificam as condições para consumação da vitória eleitoral. O que efetivamente nos interessa é chamar a atenção para o contingente de eleitores que, ou não compareceu a votação, ou votou em branco ou nulo. Este grupo de eleitores desalentados, quando somados aos que votaram na oposição aos eleitos, consolida uma maioria que não destinou o voto aos prefeitos avaliados.
Passado o período da pandemia e diante de uma eleição nacional que mobilizou o Brasil em 2022, os mesmos eleitores retornam à votação, chegando a índices de participação observados nas eleições municipais de 2008! Diante deste comportamento nos resta questionar; O eleitor desalentado, que alcançou índices recordes em 2020, retornara à votação na próxima eleição municipal em 2024? A participação dos eleitores na última eleição indica que sim! Diante desta inesperada mudança comportamental surge o desafio dos atuais Prefeitos no país, que exige conhecer o eleitor que não lhe concedeu o voto no pleito de 2020.
Neste sentido, para não se perder em meio a complexidade do tema e manter a atenção às referências que apresentei será necessário agir. Agir na mudança da realidade existente, abandonando o conceito, velho e ineficaz, da prática política por convencimento ou propostas ilusórias.
É necessário olhar além e esforçar-se para compreender que a individualização dos estilos de vida no mundo contemporâneo determinará a compreensão, o julgamento e a escolha do voto nas próximas eleições.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP (Labô) e Diretor no Instituto Methodus. Nos últimos vinte e três anos, orientou políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.
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