Nas últimas três eleições legislativas, o Nordeste brasileiro reafirmou seu papel como o principal reduto da esquerda no país. Enquanto outras regiões oscilaram entre ciclos de moderação e avanços conservadores, o eleitorado nordestino apresentou um padrão consistente de apoio às forças progressistas, com crescimento expressivo da esquerda mesmo em contextos nacionais adversos. Entre 2014 e 2022, os partidos de esquerda, como PT, PSB, PCdoB e PSOL, aumentaram sua votação de 3,58 milhões para 6,85 milhões de votos válidos para deputado federal, consolidando uma base eleitoral sólida e ideologicamente orientada.
Esse crescimento não se explica apenas por conjunturas políticas ou fatores episódicos. Ele está enraizado em uma relação histórica entre o eleitorado popular nordestino e os projetos de inclusão social promovidos por governos de esquerda. Programas como o Bolsa Família, o Pronatec e a ampliação de políticas de acesso à educação superior criaram não apenas benefícios materiais, mas também um vínculo simbólico de reconhecimento e pertencimento. Esse capital político-cultural ainda é determinante no comportamento eleitoral de grande parte da população da região.
O perfil sociodemográfico do eleitorado nordestino reforça essa hipótese. A maior parte dos votos progressistas vem de eleitores com ensino fundamental e médio incompletos, que, mesmo em condições econômicas adversas, apresentam altas taxas de comparecimento às urnas, superando 83%. Isso demonstra um engajamento político consciente, sustentado não por adesão superficial, mas por uma percepção concreta de que a política tem efeitos diretos sobre suas vidas. Nesse sentido, o voto na esquerda no Nordeste é mais do que ideológico: é identitário.
Em contrapartida, embora a direita também tenha crescido na região — saltando de 1,94 milhão em 2014 para 2,97 milhões de votos em 2022 — ela ainda se mantém como força minoritária. Diferente do que se observa no Sul e no Centro-Oeste, onde a nova direita encontrou eco entre setores médios e eleitorado digitalizado, no Nordeste sua penetração é limitada. As estratégias baseadas em valores morais, liberalismo econômico e antipetismo não têm o mesmo apelo junto a um público que prioriza segurança econômica, dignidade material e reconhecimento social.
A permanência da esquerda como força majoritária no Nordeste, portanto, não é um resíduo do passado, mas uma resposta articulada a realidades locais. Com base em laços históricos, pragmatismo eleitoral e identidade política, o eleitor nordestino tem resistido às ondas de polarização nacional e mantido sua coerência programática. Para as disputas futuras, compreender esse enraizamento será fundamental para qualquer força política que pretenda disputar espaço na região, seja para consolidar, conquistar ou converter apoios.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, pesquisador em comportamento político, consultor estratégico, analista de dados e diretor do Instituto Methodus. Com mais de 25 anos de experiência no cenário eleitoral brasileiro, destaca-se na análise de tendências e no uso inteligente de dados para estratégias competitivas eficazes.
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