Divulgada no dia 21 de setembro de 2023 pelo jornalismo europeu The Guardian, a pesquisa realizada em 31 países da Europa no ano passado constata que: “Um, em cada três europeus, vota contra o establishment”(Entende-se por establishment a governabilidade de um Estado, conjunto de forças que possuem influência das decisões de uma sociedade. Na ciência política e na sociologia, o termo se refere a elite dominante política). Em outras palavras, segundo a análise do PopuList.org, no ano passado, cerca de 32% dos votos foram destinados à partidos populistas, de extrema-esquerda ou de extrema-direita. Além disso, a pesquisa revela que “certa da metade dos eleitores anti-establishment apoiam partidos de extrema-direita, e este é o percentual de votos com maior tendência a aumentar”.
Para avançarmos sobre esses fatos, primeiro é preciso estabelecer alguns conceitos. O termo Populismo, como definição, é bastante complexo. Segundo Cas Mudde, o populismo é uma ideologia que considera que a sociedade se divide entre dois grupos antagônicos: o “povo” e a “elite corrupta”. De fato, um governo populista se baseia no extremismo de um grupo contra os ideais de outro grupo, oposto ao seu. O conceito de populismo é um tanto complexo, e diversos teóricos contrapõem a definição criada por Cas Mudde. O professor Marcos Napolitano considera que governos populistas possuem características específicas: Construção da relação direta com as massas baseada em seu carisma; Nacionalismo econômico; Discursos em defesa da união das massas, ou da coesão social; Liderança baseada no clientelismo (poder estabelecido através da troca de favores); e fragilidade no sistema partidário.
Também é preciso entender o conceito de direita e esquerda. Os termos surgiram da revolução francesa, nas discussões entre Jacobinos, mais radicais e exaltados, que sentavam-se à esquerda da Assembleia Constituinte, e Girondinos, mais moderados e conservadores, que sentavam-se à direita. Analisando as considerações contemporâneas dos termos, de forma genérica, enquanto a Esquerda tem ideais mais revolucionários, e uma base de sustentação ideológica no igualitarismo, a Direita perpetua-se o ideal de tradição, nacionalismo, religiosidade e conservadorismo. No entanto, classificar a política em apenas duas ideologias é um tanto simplista, pois existem pautas que flutuam entre os dois espectros, e podem ser melhor discutidas por políticos que se classificam por uma ideologia mais ao centro. É importante ressaltar que a classificação ideológica é realizada pelo próprio eleitor ou agente político, que se autodefine como apoiador de um viés ideológico que varia desde a extrema-esquerda até a extrema-direita, passando pelas classificações de centro-esquerda, centro e centro-direita, por se identificar com as principais pautas defendidas por cada um desses campos ideológicos.
Termos devidamente esclarecidos, voltemos ao ponto inicial da nossa discussão. Ainda segundo a pesquisa do PopuList.org divulgada pelo The Guardian, existe uma tendência de crescimento na adesão a partidos populistas da extrema-direita na Europa. Este movimento tem encontrado aderência por grande parte dos eleitores europeus, que se sentem representados nos mais diversos âmbitos de suas angústias. Se anteriormente, a principal pauta dos partidos de extrema-direita europeus baseava-se na imigração, agora vemos uma diversificação de pautas que englobam as preocupações dos mais variados eleitores. Segundo Daphne Halikiopoulou, coautora do PopuList:
“Os partidos de extrema-direita, em particular, alargaram realmente a sua base eleitoral e estão a formar coligações de eleitores com preocupações muito diferentes […] O grande problema deles sempre foi a imigração. Isso ainda existe, mas as preocupações culturais representam agora apenas uma pequena parte do seu eleitorado. Eles foram muito além do núcleo de seguidores, capitalizando toda uma série de inseguranças dos eleitores. Eles estão diversificando.”
Porém, há uma lacuna significativa que não foi incorporada nesta análise realizada pelo PopuList, e que precisa ser considerada para entendermos o movimento de ascensão dos partidos populistas de extrema-direita. É importante lembrar que não existe obrigatoriedade de participação eleitoral em grande parte dos países da Europa; logo, os eleitores que participam do processo eleitoral são aqueles que realmente se identificam com os candidatos e compreendem a importância de sua participação. Tomemos, por exemplo, as eleições na Itália e na França como ponto de partida para esclarecer a relação entre Ascenção do populismo X Desalento eleitoral:
Segundo os dados do Ministério do Interior Italiano, em 2022, a participação dos eleitores aptos foi de 63,9%, quase 10 pontos a menos em comparação com a participação no pleito anterior (2018). Em paralelo ao fenômeno do desalento eleitoral, os partidos de direita e centro-direita formaram uma aliança, o que resultou em vitória por 44% dos votos no senado e 43,8% na Câmara de Deputados. O partido da atual ministra Giorgia Meloni, Fratelli d’Italia (partido de extrema-direita) foi o que mais pontuou na coligação, recebendo 26% dos votos. Em seu discurso, Meloni enfatizou o nacionalismo, e celebrou a vitória com uma postagem nas redes sociais dizendo “Sconfitta la sinistra. Liberi! (Esquerda derrotada. Somos Livres!)”.
As eleições Francesas não mudaram muito o curso. Em 2022, a abstenção eleitoral no segundo turno foi a maior desde 1969, com 28,01% dos eleitores não participando do pleito, que reelegeu o presidente Emmanuel Macron.
Este crescimento da abstenção não se restringe apenas aos países da Europa. Mesmo com a obrigatoriedade do voto, nas eleições de 2022 o Brasil registrou um desalento eleitoral (soma das abstenções, voto branco e voto nulo) de 25,2%, o que corresponde a um total de 37.901.001 eleitores aptos. Em 2018, ano em que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi eleito, o desalento eleitoral chegou a expressivos 30,9%, correspondendo a 42.467.071 eleitores.
A ascensão Jair Bolsonaro em 2018 como presidente da República, e a disputa entre Jair Bolsonaro e Lula no Brasil em 2022 é um desenho perfeito da análise da relação e a Ascenção do populismo X Desalento eleitoral, assim como a vitória da extrema-direita, tanto na Itália quando na França, também no mesmo período.
Em 2018 vimos uma eleição pautada no “Nós contra eles”. A queda da confiança nos partidos de esquerda, representados principalmente pelos acontecimentos envolvendo o ex-presidente Lula, na época, rompeu com a crença de grande parte do eleitorado, que encontrou no discurso do então candidato representante da direita, Jair Bolsonaro, uma saída para o retorno da confiança perdida. Em 2022, mesmo com um aumento na participação do eleitorado no pleito, observamos outra disputa pautada no “Nós contra eles”, com o retorno de Lula, após anuladas as acusações da Lava Jato, sendo eleito por uma diferença de 1,8% de votos a mais do seu opositor Jair Bolsonaro.
Note o quanto as eleições na Itália, na França e no Brasil possuem as mesmas características. Os eleitores que participam do pleito, destinando seu voto à um candidato, são os que realmente acreditam que este candidato representa seus interesses, ou, assim como a classificação do populismo por Cas Mudde, entendem que é preciso se posicionar em um embate antagônico do “nós contra eles” ou do “bem contra o mal”. Porém, a ascensão do populismo não se dá por conta desses ideais, e sim pelo fato escantear eleitores que não encontram nos candidatos extremos, ou populistas, um representante ideal para seus anseios, e acabam entendendo que a única alternativa é se abster do processo de escolha.
Quando o conceito afirma que a democracia é a representação da escolha da maioria, e esta maioria acaba segregando parte significativa dos eleitores que não se identificam com o extremismo, a própria democracia se enterra em um ideal conceitual imaginário, com a exclusão dos moderados e a ascensão do populismo. Enquanto a representação democrática estiver conceituada somente em quem entende ser um embate de antagonismos, uma luta diária do “nós contra eles”, estaremos afundando a democracia em um caos absoluto, e observando cada vez mais eleitores desistindo da participação no processo político.