A estabilidade dos sistemas democráticos é diretamente influenciada pela sua capacidade de resolver as divisões que continuamente surgem na vida social, e, acima de tudo, pela sua aptidão em enfrentar as tendências rumo à radicalização de posições diante dos desafios sociais.
Nos últimos anos, especialmente após a crise de 2008, temos testemunhado um aumento nas dificuldades enfrentadas pelas democracias ocidentais em seu processo de resolução dessas fraturas. Em vez de uma convergência em direção ao centro, temos visto um fortalecimento das alas extremas. O exemplo mais recente vem das eleições em dois estados alemães, onde o AfD, um partido de extrema direita (com facções que não escondem simpatias nazistas explícitas), tornou-se o segundo maior partido em ambos os casos, obtendo cerca de 15% dos votos, superando o SPD do Chanceler Scholz. Isso sem mencionar a situação da principal democracia ocidental, que se prepara para enfrentar um ano desafiador. O resultado do confronto entre Biden, um presidente idoso e não muito popular, e Trump, com suas ações que questionam o próprio Estado de Direito, permanece incerto.
A disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro no Brasil tem levado a uma intensa polarização da sociedade em dois campos políticos bem definidos. Essa profunda divisão tem criado um ambiente de confronto constante, tornando o diálogo político mais difícil.
Essa tensão tem gerado impactos significativos no país, resultando em uma atmosfera de debates altamente polarizados e, por vezes, acalorados, dificultando a capacidade do governo de promover políticas públicas eficazes e consensuais.
A polarização tem afetado não apenas o cenário político, mas também a estabilidade social e econômica do Brasil, levantando preocupações sobre a governabilidade e o futuro do país.
Em muitos países, estamos observando uma polarização, mais de cunho cultural do que político, entre os progressistas, que focam em questões de sustentabilidade e, principalmente, nos direitos individuais, e os populistas, que têm como bandeiras a defesa dos interesses nacionais e a resistência à imigração.
O conceito de cismogênese, proposto por Gregory Bateson, um respeitado psicólogo americano, ajuda a entender o que está ocorrendo. Este termo descreve um tipo específico de dinâmica social que, ao inserir uma espiral de reforço mútuo no comportamento de dois grupos, pode levar a um colapso sistêmico.
Essencialmente, a cismogênese descreve uma série de interações que levam a divisões tão significativas que abalam os próprios alicerces da coexistência. Essa tendência é notável em muitos países atualmente, sendo o Brasil um exemplo notável disso.
A origem dessa polarização está relacionada à crise do modelo expansivo da globalização. A esquerda progressista responde a essa crise propondo o avanço da inovação tecnológica e cultural, enquanto a direita populista adota uma abordagem oposta, centrada na preservação dos níveis de bem-estar e na manutenção de sua “identidade” cultural por meio de protecionismo e fechamento. Essa divergência está diretamente ligada aos recursos distintos (materiais e culturais) disponíveis para seus eleitores.
A análise de Bateson nos oferece uma lição valiosa. A menos que a espiral de conflito possa ser interrompida pela vitória definitiva de um lado sobre o outro – uma hipótese irrealista na situação atual – a solução deve ser encontrada na capacidade de uma das partes, ou de algum de seus componentes, de mudar o paradigma do jogo. Essa possibilidade se torna mais concreta quando observamos que nenhuma das atuais propostas políticas é capaz de definir uma agenda de governo que atenda convincentemente, de um lado, às necessidades dos sistemas cada vez mais complexos que caracterizam nosso tempo, e, de outro, às expectativas e medos da maioria da população, que enfrenta crises recorrentes e cada vez mais graves. Esse impasse se reflete no aforismo de que a esquerda tem a capacidade de governar, mas não conquista consenso, enquanto a direita conquista consenso, mas carece da capacidade de governar.
Não é a primeira vez que enfrentamos essa situação. Isso ocorreu nas décadas de 1920 e 1930 do século passado, quando as forças políticas lutaram para lidar com as consequências da Primeira Guerra Mundial, levando à formação do fascismo e, posteriormente, à guerra. Também ocorreu nos desafiadores anos 1970, marcados por intensos conflitos sociais que, em alguns países, como a Itália, resultaram em terrorismo. Nesse último caso, a solução foi encontrada quando o neoliberalismo de Reagan e Thatcher modificou completamente o cenário político, reposicionando o partido conservador em direção a políticas mais liberais.
É desafiador imaginar que a atual polarização perdure sem consequências sérias. Para prevenir rupturas abruptas, especialmente em países com estruturas institucionais mais frágeis, é crucial, seguindo a perspectiva de Bateson, promover o desenvolvimento de uma nova proposta política, seja de vertentes de esquerda ou direita, capaz de identificar processos de reconciliação social para mitigar a atual cisão.
Até o momento, não há certeza quanto à visibilidade desses sinais. Há, contudo, motivos para otimismo, visto que diversos grupos e empresas já estão ativamente empenhados em recompor os fragmentos desgastados do tecido econômico, cultural e social. Essas iniciativas se distanciam do politicamente correto e da retórica populista, mantendo uma consciência plena da necessidade de enfrentar de maneira concreta o desafio da sustentabilidade, especialmente no âmbito econômico.
Nesse contexto, o Instituto Methodus realizou uma pesquisa com o objetivo de investigar a presença de pressupostos de polarização entre os cidadãos de Porto Alegre, especialmente considerando o cenário das eleições municipais de 2024. A pesquisa foi desenhada para compreender se existem tendências políticas marcadas que possam indicar uma divisão significativa de opiniões ou ideologias, influenciando o panorama eleitoral da cidade.
Os dados revelam uma distribuição equilibrada entre os espectros políticos de esquerda, centro e direita. Embora não exista uma maioria evidente, observa-se uma divisão quase uniforme entre os três grupos políticos. Essa distribuição indica uma falta de polarização, sem a predominância de nenhum grupo específico. A proximidade nas proporções sugere um equilíbrio notável nas opiniões políticas dos cidadãos da região.
Esse gráfico revela uma distribuição interessante da população, diferenciando a preferência política entre os espectros de esquerda, centro e direita com base no gênero. A primeira observação é a falta de uma clara polarização política. Não há uma divisão estrita em termos de polaridade política, como normalmente vemos em muitas outras áreas geográficas ou em certos contextos sociopolíticos. Isso sugere uma distribuição mais equilibrada e menos radicalizada entre os espectros políticos.
Os dados mostram discrepâncias nas preferências políticas entre homens e mulheres. Por exemplo, a preferência pela esquerda é maior entre mulheres do que entre homens. Isso pode indicar diferenças na percepção das políticas propostas por esses espectros políticos ou em suas abordagens para diferentes questões sociais e econômicas. Nota-se uma maior disparidade entre os gêneros na preferência pela esquerda em comparação com o centro e a direita. Isso pode refletir uma maior sensibilidade das mulheres a certas agendas de esquerda ou uma desilusão maior entre os homens com as políticas propostas por esse espectro. Ambos os gêneros têm uma inclinação significativa para o centro em comparação com os extremos da esquerda e direita. Isso pode indicar uma tendência geral de moderados dentro da população de Porto Alegre, independentemente do gênero. Essa distribuição de preferências sugere um cenário político menos polarizado, onde uma grande parte da população parece ser moderada ou está em algum ponto intermediário do espectro político. Essa análise pode ser útil para formuladores de políticas e estrategistas para entenderem a dinâmica política na região e adaptarem suas estratégias de engajamento e comunicação de acordo.
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.