Quando trabalhamos sob o olhar comportamental, é necessário, por muitas vezes, confrontar o eleitor com temas ao qual não se sinta confortável discutir, ou que não perceba, a priori, a necessidade de discutir. Assim fazemos quando entendemos que existem paradoxos no sistema político que necessitam do confronto efetivo entre o eleitor e o tema propriamente dito.
Anteriormente, publicamos análises que discorreram sobre questões de gênero na política. Tomamos conhecimento do movimento anti-sufragista, ao qual se detinha em contrapor a necessidade da participação feminina no sistema político. Este movimento europeu teve adesão de mulheres, homens e pensadores influentes na época, que entendiam que, em momentos de decisões essencialmente políticas, estas seriam mais bem resolvidas por quem já pertencia ao sistema, ou seja, os homens.
Mas a recíproca possuía maior força e maior visibilidade. As sufragistas suíças, com o apoio também de homens e pensadores que corroboravam com o movimento, tiveram suas vozes ouvidas e conquistaram o seu direito ao voto em 1971. Hoje, mesmo a Suíça tendo sido o último pais da Europa a aderir ao sufrágio universal, ela ocupa a 21ª posição no relatório anual de disparidade global de gênero, produzido pela Word Economic Forum. Já o Brasil, no mesmo relatório, se encontra na 57ª posição.
É fato que o Brasil já superou inúmeras barreiras de gênero no âmbito político, porém, ainda, a proporção entre população feminina e representação política feminina se mantém enormemente desequilibrada. E, mesmo com medidas efetivas e ações de órgãos e entidades para que essa proporção aumente, ainda não vemos eleitas a quantidade necessária de mulheres para que possam representar o maior percentual da população brasileira.
Entender a motivação por trás desta disparidade necessita de uma análise extremamente profunda do sistema político vigente e, também, de campanhas políticas, ações de marketing, atuações e decisões internas dos partidos e, não menos importante, do comportamento político do eleitor. Este último, com um olhar mais apurado na busca de compreender as suas subjetividades, haja vista que, em uma democracia representativa, como é o caso do Brasil, o eleitor é o ator político com maior importância nestas decisões. É através da escolha do eleitor que o enfrentamento da disparidade de gênero na política se torna possível. Mas, para isso, é preciso entender se, de fato, o eleitor entende essa necessidade ou não.
Utilizando como metodologia a pesquisa quantitativa na pesquisa realizada em novembro, confrontamos o eleitor porto-alegrense em frases impactantes e que gerariam desconforto, para que ele pudesse nos indicar o quanto adere, ou não, a cada uma delas. Estas frases dizem respeito a participação feminina na política e confrontam a opinião do eleitor em questões de efetivo embate de gênero, fazendo com que o eleitor se depare com o estranhamento. Os resultados desse confronto são:
Perceba que, quando deparados com frases em que o embate entre os gêneros é explicito e onde existe segregação entre um gênero sobre o outro, a adesão por parte dos eleitores é bem baixa, porém ainda não é nula. Um grau de concordância de 5% entre a percepção dos homens que concordam que “política não é lugar para mulher” ou que “homens são melhores líderes políticos” pode parecer baixo, mas possui o poder de influenciar uma quantidade grande de pessoas que, a longo prazo, acabam corroborando com esta percepção. Também, nestes casos, existe a opinião velada, que é reprimida para si pois o entrevistado se depara com valores morais e éticos, e se sente constrangidos em dar sua verdadeira opinião.
Nota-se também o grande percentual de mulheres que concordam com a frase “mulheres sofrem mais com discursos de Fake News”. Este resultado é o esboço do histórico de campanhas realizadas não somente em Porto Alegre, mas também pelo Brasil, onde candidatos utilizam-se de todos os artifícios políticos para que atinjam suas oponentes, fazendo com que o pleito se torne desgastante. O processo para comprovação de que as informações repassadas contra a candidata são realmente fake News é demorado e burocrático, o que proporciona a veiculação do ataque em tempo suficiente para que a campanha ou a moral da candidata atacada se torne duvidosa perante os eleitores.
Outros dados importantes são o percentual de mulheres que informam confiar em decisões políticas tomadas por outras mulheres, e que informam votar somente em candidatas mulheres. Além dessa aproximação, surpreende também a quantidade, tanto de homens quanto de mulheres, que concordam que votariam em uma mulher se ela fosse pastora evangélica.
De fato, quando as frases testadas são de um explicito embate de gênero e de segregação, a atitude dos entrevistados é a não concordância, o que corrobora com discursos percebidos ao conversar com homens e mulheres. Inversamente, quando colocamos as candidatas mulheres no centro do debate, a adesão a concordância é maior. O paradoxo por trás destes dados é o porquê desta não adesão quando confrontados com segregações de gênero, e a adesão quando candidatas estão “exaltadas” no discurso, não se refletem em escolhas propriamente ditas que resultam em candidatas eleitas. Além disso, a relação fé e voto se mostra presente, o que demonstra um outro questionamento, que seja: a fé transfere para seu representante um maior domínio e confiança sobre os eleitores?
Nos aprofundaremos nas questões que contrapõem os dados sobre o apoio a candidatas mulheres e sobre o voto da fé nas próximas análises. Até breve.
Schaiany Stallivieri é Socióloga, Pós-graduanda em Ciência Política, pesquisadora em Comportamento Político e Analista de Pesquisas do Instituto Methodus.