Quando um cidadão ou cidadã comum resolve exercer seu direito e entrar para a vida política, habitualmente segue o caminho mais tradicional: se candidata a vereança, defendendo pautas às quais já defendeu durante sua trajetória, e possivelmente tenha sido a força motriz que gerou a motivação para uma filiação partidária e candidatura. Posteriormente, pode vir a se manter nos cargos legislativos e se candidatar a deputado, ou então preferir uma candidatura à Prefeitura, exemplificando um cargo no Executivo, mas sempre definindo passos para que desenvolva sua carreira política.
Quanto maiores são os degraus avançados, através do sistema democrático eleitoral, maior se torna a responsabilidade envolvida, a influência e o poder que este ator político desenvolve na sociedade à qual está inserido. De fato, responsabilidade, influência e poder estão correlacionados quando se trata de um cargo político, mas hoje nos concentraremos somente em um fator destes três descritos: o poder.
Hannah Arendt, em seu livro Crises da República, define poder como:
“Poder corresponde à capacidade humana não somente de agir, mas de agir em comum acordo. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido. Quando dizemos que alguém está no “poder”, queremos dizer que está autorizado por um certo número de pessoas a atuar em nome delas. No momento em que o grupo do qual se originou a princípio o poder (potestas in populo, sem o povo ou um grupo não há poder), desaparecer, “seu poder” some também”
Perceba que Arendt foi muito clara em sua colocação quando disse que o poder somente se perpetua enquanto o grupo ao qual gerou a destinação do poder do indivíduo se mantém alinhado a ele. Logo, na perda desta comoção grupal, o poder simplesmente se torna palavra, tirando dessa figura o ativo que conquistou. Portanto, perpetuar o poder é manter e conquistar o alinhamento e apoio dos grupos sociais, ou seja, seus eleitores.
Mas sabemos que em uma disputa política, principalmente quando se trata de cargos com maior influência social, como os cargos do executivo, podemos presenciar um distanciamento dos eleitores, que, antes aninhados a um representante, acabam percebendo em outro “qualidades” que se mostraram deficitárias no primeiro, migrando seu apoio. Da mesma forma, encontramos disputas acaloradas por candidatos que visam a obtenção da aprovação de seus eleitores e a permanência ou aquisição de poder.
Para sair um pouco da explicitação teórica, que pode se mostrar um tanto confusa, pensemos em dois exemplos práticos:
Primeiro: No cargo de Prefeito de uma cidade, o representante eleito por maioria de votos está recebendo críticas dos munícipes por não encontrarem nas atitudes dele o que foi defendido em campanha, quando estava candidato. Este mesmo Prefeito tem o interesse de se reeleger, logo, perpetuar-se a frente desta sociedade, mantendo o seu cargo e colhendo os benefícios do poder que o foi destinado. Por outro lado, a oposição a este governo já vem trabalhando na possibilidade de disputa eleitoral, buscando o melhor candidato ou candidata para contrapor a situação e desenvolvendo uma base de campanha que ressalte a crítica à atuação do atual governo já percebida.
Com candidaturas já registradas, e durante o pleito eleitoral de fato, observa-se que este representante da oposição está conquistando o olhar popular, e pesquisas de intenção de voto corroboram com esse entendimento, apresentando a oposição à frente do atual Prefeito do nosso exemplo. Inquieto por tal situação, e pela possibilidade real de perder o poder, este Prefeito decide por modificar a estratégia de sua campanha, tornando-a mais incisiva. Buscando informações pessoais e históricas do representante da oposição, parte por divulgar situações que possam colocar em dúvida as qualidades e valores deste concorrente. Porém, não encontrando situações que degradem a imagem do candidato da oposição, o atual Prefeito decide por exceder suas atitudes e “cria” situações para serem divulgadas, a fim de que a índole de seu oponente seja questionada pelos eleitores.
Agora pensemos o inverso: Na mesma cidade, o atual Prefeito está realizando uma boa administração e sendo bem avaliado por seus eleitores. Este prefeito decide por ser candidato à reeleição na próxima disputa eleitoral. Por outro lado, existe um candidato de oposição que pretende tentar se eleger. Sabendo da boa avaliação dos eleitores quanto a administração do atual prefeito, e entendendo, através de estudos de intenção de voto realizados na cidade, que suas chances reais de vitória possui baixos percentuais, este opositor decide divulgar notícias falsas durante a campanha, na tentativa de captar a atenção dos eleitores e aumentar a sua base eleitoral enquanto diminui a aceitação do atual prefeito.
Perceba que, nos dois exemplos apresentados, a intenção final é manutenção do poder (no caso do primeiro exemplo) ou obtenção de poder (no caso do segundo exemplo) mas, em ambos os casos, a decisão por ataques a partir da divulgação de notícias falsas se mostra presente na tentativa de captação da comoção social.
Nos exemplos apresentados, a decisão por utilização de notícias falsas é tomada como uma medida desesperada para aquisição do sentimento de influência social mais cobiçado por estes atores políticos. Nenhum dos dois exemplos são fictícios pois, em inúmeras eleições, tanto em processos da esfera federal, quanto nos estaduais e municipais, a estratégia de ataques pessoais é comumente utilizada, promovendo uma certa normalização destas atitudes.
Segundo notícia divulgada pelo G1 em outubro de 2022, o TSE recebeu, em média, mais de 500 alertas diários de fake News no segundo turno das eleições do mesmo ano. Vislumbrando a última eleição na esfera municipal, segundo dados do TSE, a rede de checagem do órgão desmentiu 69 notícias falsas relacionadas diretamente ao processo eleitoral brasileiro.
Estes números apresentados se referem somente a disseminação de notícias falsas sobre o processo eleitoral nas duas últimas eleições. Quando se trata de ataques pessoais, os números apresentados são mais assustadores e as consequências também. Segundo publicado pela CNN em novembro de 2020, o TSE registrou 264 ataques contra candidatos nas eleições deste mesmo ano. Os ataques variam entre publicações falsas que mancham a índole do seu oponente, como é o caso dos nossos exemplos, á lesões corporais médias e graves, além de crimes contra a integridade física.
Em publicações anteriores já havíamos discorrido sobre as consequências das fake News e Deepfakes no andamento do processo democrático e, para combater ainda mais a disseminação de notícias falsas, o TSE lançou, no dia 2 de abril deste ano, o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE) que conta com a cooperação dos 27 TREs, além de resoluções que efetivamente punam quem optar pela utilização de fake News e Deepfakes nas suas estratégias de campanha, podendo inclusive ter a candidatura e o mandato cassado.
O que se percebe até aqui, é que a necessidade pela manutenção ou pela aquisição do poder pode levar a utilização desesperada de ações ilícitas quando o ator político se depara com a possibilidade de não obtenção desta relação de soberania. E esta ação prejudica a manutenção do sistema democrático, tanto para os eleitores quanto para os órgãos reguladores, que necessitam movimentar um número maior de colaboradores para o acompanhamento das campanhas eleitorais e o que está sendo divulgado.
Retomando os nossos casos de exemplo, se a ação tomada pelos agentes apresentados nos exemplos um e dois fosse a busca pelo entendimento do posicionamento, insatisfação e necessidade do seu eleitor, por estudos comportamentais realizados com os munícipes, a fadiga de um processo eleitoral desesperado, baseado em ataques e inverdades não se tornaria necessário, pois, diferentemente do que o senso comum mostra, eleitores, quando deparados com ataques infundados e notícias falsas disseminadas optam por se afastar do embate, aumentando o número de abstenção política, ou seja, o Desalento eleitoral.
Compreender que estudos comportamentais são as melhores estratégias para que se observe o posicionamento e valores dos eleitores, para que estratégias de campanha propositivas sejam traçadas se mostra a direção mais assertiva para uma candidatura vitoriosa. Jogar dentro das “quatro linhas” do processo democrático e constitucional é o horizonte para a conservação da comoção grupal, necessidade base para a manutenção do poder de um governante.
Schaiany Stallivieri é Socióloga, Pós-graduanda em Ciência Política, pesquisadora em Comportamento Político e Analista de Pesquisas do Instituto Methodus.