Considerando os impactos da elevação da temperatura no planeta, em decorrência do aumento das emissões de CO2, surgiu pela primeira vez em 1992, no Rio de Janeiro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), a possibilidade de criação do mercado de créditos de carbono. Mais tarde em 1997, no Japão, na cidade de Quioto é assinado o “Protocolo de Quioto”, em que os países signatários iriam assumir compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa, de forma mais rígida.
O Protocolo estabeleceu que 55% dos países responsáveis pela grande parte das emissões globais de gases de efeito estufa, deveriam limitar ou reduzir suas respectivas emissões, fazendo com que as reduções passassem a ter valor econômico. Para tanto, ficou estabelecido que uma tonelada de CO2, corresponderia a um crédito de carbono, que poderia ser negociado no mercado internacional, o que serviria também, para os outros gases causadores do efeito estufa, como o metano, que passariam a ser classificados como “carbono equivalente”, e convertidos em créditos de carbono.
Era fundamental encontrar meios de incentivo, aos diferentes agentes econômicos, para o desenvolvimento do mercado de crédito de carbono, como forma de incentivar os países desenvolvidos e em desenvolvimento, na redução das suas emissões. Com isso, foram estabelecidas soluções de mercado, como o comércio de emissões. Com o uso deste mecanismo, os países que ultrapassassem as emissões de carbono pré-estabelecidas, poderiam adquirir créditos de carbono dos países que fossem deficitários em suas emissões.
Em 2022, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) n° 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), visando basicamente, a implementação de um mercado regulado de carbono no País. No Brasil, diferentemente do mercado regulado, os mercados voluntários de negociação de crédito de carbono já existem de forma consolidada.
Os mercados voluntários são constituídos por empresas e indivíduos, que negociam de forma voluntária créditos de carbono, para neutralizar ou compensar as suas respectivas emissões de gases de efeito estufa, originadas por suas atividades produtivas. Neste tipo de mercado, os agentes econômicos que realizam emissões abaixo de suas cotas de carbono ou que criaram mecanismos produtivos, que resultem em baixa emissão, negociam seu saldo superavitário de carbono (crédito) de forma bilateral ou em mercado e bolsas, com aqueles agentes econômicos que ultrapassam suas cotas de emissões.
O PL n° 412/2022, além de respeitar o já consolidado mercado voluntário, estabelece também o mercado regulado. Neste tipo de mercado, os governos de cada país estabelecem limites para emissão de gases de efeito estufa, ou seja, permitem um determinado volume de emissões de carbono, para as atividades econômicas (empresas, por exemplo), de seu respectivo país. A partir daí, os créditos de carbono são negociados num tipo de negociação chamada de cap and trade.
O cap and trade funciona da seguinte forma: O governo nacional determina um limite de emissões de carbono (cap) para todo o país. O limite total de emissões de carbono é fragmentado em licenças de cotas, em que cada uma das cotas é correspondente a uma tonelada de carbono equivalente. Então, estas licenças de cotas são repartidas por meio de leilões. As empresas que emitem uma quantidade de CO2, que seja inferior ao que elas têm de permissão, poderão gerar créditos de carbono, capazes de serem negociados com as empresas que ultrapassarem as suas cotas de emissões.
A implementação do mercado de crédito de carbono, como previsto no PL n° 412/2022, garantirá o funcionamento deste potencial mercado, respeitando tanto o mercado regulado quanto o mercado voluntário. A partir da regulamentação, as projeções mais modestas apontam uma possibilidade de geração de receita até 2030 no valor de R$ 600 bilhões, de acordo com a metodologia da Câmara de Comércio Internacional no Brasil (ICC) e a consultoria WayCarbon, gerando em média R$ 12,9 bilhões anuais em arrecadação aos cofres públicos.
Porém, considerando que o progresso técnico de produção, que são as inovações e investimentos necessários, para uma produção econômica com menor emissão de CO2, não estarem acompanhando a trajetória crescente de emissões na economia brasileira, isso indica a possibilidade de uma maior geração de receita, com uma respectiva arrecadação tributária, para fins de financiamento de políticas públicas. Além da capacidade da biodiversidade do Brasil, que pode ofertar até 2,2 trilhões de toneladas/ano em crédito de carbono, há também o crescente histórico de emissões de CO2 no Brasil, formando assim uma robusta demanda potencial, para créditos no mercado brasileiro.
Desde o início de sua medição em 1990 até o ano de 2021, último ano com estatística disponível, as emissões aumentaram em 19,11%, conforme o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases (SEEG). O mais alarmante é que de 2010 a 2021, as emissões de CO2 aumentaram em 40,74%, demonstrando claramente que a tendência é de que as emissões aumentem ainda mais, antes que iniciem uma trajetória real de redução.
Com base nisso, as projeções é de que o Brasil possa emitir em média cerca de 4.029 bilhões de toneladas de CO2 por ano, até 2050, caracterizando assim uma demanda potencial, que geraria em média cerca de R$ 1.795 trilhões, de receita anual neste mercado, no mesmo período. O resultado disso seria uma arrecadação em média de R$ 297 bilhões por ano, até 2050.
Se o PL n° 412/2022 conseguir ser aprovado, demonstrando para o mercado, que considera toda a potencialidade de ativos ambientais do território brasileiro, como os créditos de carbono gerados pela manutenção, preservação e retenção de carbono equivalente (com especial atenção às emissões de CO2 e de metano), no solo ou na vegetação, bem como, a manutenção e melhoria de ecossistema e biodiversidade, o Brasil além de gerar renda e emprego, possibilitará também a formação de poupança interna, para o financiamento de investimentos em tecnologias que reduzam emissões nos empreendimentos privados.
Além disso, a arrecadação tributária com centenas de bilhões, provenientes da renda gerada neste mercado, possibilitaria não só o financiamento de políticas públicas, para mitigar e combater as emissões de gases de efeito estufa, mas principalmente, financiar obras de infraestrutura e resiliência nas cidades e regiões brasileiras que estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas. Da mesma forma, possibilitaria a reurbanização das cidades brasileiras, alterando as frotas de transporte público e seus respectivos aparelhos urbanos, voltados à combustíveis limpos e infraestrutura sustentável. Já imaginou um modal de transporte público coletivo, com tarifa zero, nas cidades brasileiras, financiados pelas receitas do mercado de carbono?
O PL n° 412/2022 já foi aprovado pelo Senado Federal e ainda tramita no Congresso Nacional. Além de ser uma política ambiental pujante para o País e o mundo, também é um potencial gerador de receitas para o financiamento de políticas públicas não só para a União, mas para os estados e municípios brasileiros. Portanto, a forma como ficará determinada a sua redação final, apontará se o mercado poderá irrigar a economia brasileira, por meio da potencialidade da biodiversidade nacional, garantido novas fontes de recursos para as políticas de investimentos públicos no Brasil.
Mario de Lima é doutor em economia. Como economista, professor, consultor e escritor atua nas áreas de gestão pública, políticas públicas, finanças públicas, educação, governança e desenvolvimento regional. Exerceu diversos cargos como assessor, conselheiro e gestor na administração pública brasileira.
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