O médico italiano Bernardino Ramazzini, no século XVII, foi pioneiro ao adotar a filosofia de que “prevenir é muito melhor do que remediar” («prevenire è di gran lunga meglio che curare»). Esse princípio, amplamente aceito na medicina, é também aplicável à administração pública e à política. No entanto, a pergunta que surge é: no mundo da política e da prevenção da coisa pública, esse conceito é bem aceito pelo povo? E, sobretudo, ele traz votos? Infelizmente, a resposta tende a ser negativa, e vou explicar as razões por trás disso.
Uma das principais razões pelas quais a prevenção e o cuidado com a coisa pública não trazem votos é que tais medidas são, por natureza, invisíveis e seus benefícios não são imediatamente perceptíveis. Medidas preventivas, como a construção de infraestruturas para evitar enchentes ou a implementação de políticas ambientais rigorosas, podem não ter um impacto visível no curto prazo. O eleitorado, por sua vez, tende a focar em problemas imediatos e tangíveis, como a falta de segurança, a precariedade dos serviços de saúde e educação, ou o desemprego.
A percepção pública de que a prevenção é um desperdício de dinheiro está enraizada na falta de visibilidade dos benefícios a longo prazo. Gastos significativos em prevenção podem ser vistos como desnecessários se os problemas que tais medidas visam evitar não são imediatamente evidentes ou não ocorrem com frequência. Esse fenômeno é amplificado pela tendência das pessoas de subestimar riscos que não experimentam regularmente. Como resultado, os eleitores podem considerar mais prioritário o investimento em áreas que trazem melhorias visíveis e imediatas.
Os políticos enfrentam um dilema entre tomar decisões de longo prazo que beneficiam a sociedade, mas que não são imediatamente reconhecidas pelo público, e focar em políticas de curto prazo que trazem resultados visíveis e eleitorais. Esse dilema é particularmente evidente em casos como a prevenção de enchentes em Porto Alegre. Se um político tivesse investido bilhões na prevenção do rio Guaíba antes de uma enchente, é provável que enfrentasse críticas por gastar dinheiro em uma ameaça que muitos não percebem como iminente.
A sociedade, em muitos casos, tem uma cultura reativa ao invés de proativa. Infelizmente, muitas vezes é necessário que um desastre ocorra para que a importância da prevenção seja reconhecida. A reação ao desastre traz uma validação tardia às medidas preventivas que poderiam ter sido implementadas, mas essa validação frequentemente vem acompanhada de críticas por não terem sido feitas anteriormente.
Para alterar essa dinâmica, é crucial que haja uma maior educação e comunicação sobre a importância da prevenção. Políticos e gestores públicos precisam comunicar de forma eficaz os benefícios das medidas preventivas, explicando como elas protegem a sociedade de custos maiores e danos futuros. Campanhas educativas podem ajudar a transformar a percepção pública, mostrando casos concretos onde a prevenção evitou catástrofes e economizou recursos a longo prazo.
Para ilustrar a análise político-comportamental sobre a prevenção e cuidado com a coisa pública, podemos citar exemplos concretos de diferentes partes do mundo onde medidas preventivas tiveram um papel crucial, mas nem sempre foram valorizadas ou compreendidas pela população antes da ocorrência de desastres.
Um exemplo emblemático é o furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005. Antes da chegada do furacão, havia inúmeros alertas sobre a vulnerabilidade dos diques e sistemas de proteção contra enchentes na cidade. Diversos estudos e especialistas haviam apontado a necessidade de reforçar e melhorar essas infraestruturas para evitar uma catástrofe. No entanto, muitos dos investimentos necessários não foram feitos em tempo hábil devido à falta de apoio político e público, além de restrições orçamentárias. Quando o furacão finalmente atingiu Nova Orleans, os diques falharam, resultando em inundações devastadoras e uma crise humanitária. O desastre destacou a importância das medidas preventivas que, se implementadas, poderiam ter mitigado significativamente os danos e perdas de vidas. Infelizmente, a falta de ação preventiva foi evidenciada da pior maneira possível, mas trouxe uma lição dolorosa sobre a necessidade de se investir em prevenção.
Outro exemplo significativo é o tsunami que ocorreu no Oceano Índico em 2004. Muitos países ao redor do Oceano Índico não possuíam sistemas eficazes de alerta precoce para tsunamis. Antes do evento catastrófico, a falta de sistemas de alerta era vista como uma prioridade baixa em comparação com outras necessidades imediatas desses países em desenvolvimento. Após o desastre, que resultou na perda de centenas de milhares de vidas, houve uma corrida para implementar sistemas de alerta precoce e programas de educação sobre tsunamis nos países afetados. Se esses sistemas tivessem sido implementados antes, muitas vidas poderiam ter sido salvas. O tsunami de 2004 serviu como um trágico lembrete da importância da preparação e da capacidade de resposta rápida a desastres naturais.
A prevenção é um elemento vital para a gestão pública eficiente, mas sua natureza invisível e a priorização de problemas imediatos pelos eleitores criam desafios significativos para os políticos. O equilíbrio entre administração eficaz e estratégias eleitorais requer uma abordagem comunicativa forte e uma educação contínua da população sobre os benefícios a longo prazo das políticas preventivas. Somente com essa mudança de percepção será possível valorizar adequadamente os esforços preventivos na coisa pública.
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.