Passados doze meses desde a tragédia hídrica de 2024 no Rio Grande do Sul, nos deparamos hoje com uma nova dimensão dos impactos sofridos pelos gaúchos, ainda vivos na memória e no cotidiano da nossa população.
Nossa nova pesquisa, Vozes da Classe Média, investigou as Cheias de Maio de 2024 a partir de quatro dimensões, o impacto das cheias na vida dos gaúchos, a confiança depositada nas instituições, os efeitos emocionais decorrentes dos traumas e as perspectivas sobre o futuro, revelando que as consequências daquela tragédia seguem presentes em nossas vidas. O levantamento contempla um segmento que representa aproximadamente 40% do eleitorado do Rio Grande do Sul, composto por pessoas com ensino médio ou superior, economicamente ativas e identificadas com a classe média, um público social e politicamente relevante no debate público e nas decisões eleitorais
Apesar dos avanços no processo de reconstrução, para os gaúchos afetados pelas enchentes, sendo 46% ‘muito afetados’ e 28,8% ‘afetados’, os eventos que impactaram suas vidas após 2024 decorrem, majoritariamente, da negligência ou descaso das autoridades na manutenção e no avanço de soluções e de marcas emocionais profundas e ainda abertas em suas vidas.

Os resultados evidenciam a dimensão emocional da tragédia, com as percepções dos entrevistados concentrando-se, primeiramente, na responsabilização (59,8%) e, em segundo lugar, na própria condição emocional da população, expressa em sentimentos como tristeza, desânimo e ansiedade (58,8%). Nossos entrevistados, em parte, relegaram a um segundo plano os prejuízos financeiros (42%), o deslocamento forçado, seja de casa, bairro, cidade ou estado (26,4%) e, inclusive, a perda de bens imóveis, móveis ou itens pessoais (14,6%). Apenas 9,3% afirmam não terem sido impactados pelas cheias. Portanto, o que se impõe como central não é apenas o dano material causado pelo desastre, mas a sensação persistente de abandono, a frustração com o poder público e o abalo psicológico coletivo que continuam a nortear a forma como a tragédia é interpretada pela população.
Seguimos vivendo uma crise de legitimidade das instituições. Assim como já identificado em 2024, o aumento dos danos causados pelas cheias é, na avaliação dos entrevistados, consequência direta da inação dos agentes responsáveis, seja na atuação preventiva, seja na responsabilização efetiva dos próprios governos.

A percepção predominante é de que o poder público, em especial os governos estadual e municipal, falhou tanto na prevenção quanto na resposta à tragédia. Para 84,6% dos entrevistados, a falta de manutenção em diques, comportas e sistemas de drenagem foi determinante para a gravidade dos danos. A inação do Governo do Estado (76,5%) e das Prefeituras (68%) também figura entre os principais fatores apontados, junto à ausência de planejamento urbano (70,6%). Embora 54,4% reconheçam o papel das mudanças climáticas e dos eventos extremos, a responsabilização recai majoritariamente sobre a esfera governamental. A degradação ambiental, como desmatamento e descarte irregular de lixo é mencionada por 70,4%, enquanto apenas 28,4% identificam falhas na atuação do Governo Federal.
Os dados apresentados confirmam que as Cheias de Maio de 2024 não foram apenas um evento climático extremo, mas um marco de ruptura na relação entre população e poder público no Rio Grande do Sul.
Um ano após a tragédia, o que se vê é a permanência de sentimentos de abandono, instabilidade e desconfiança, que ultrapassam os danos materiais e atingem o campo emocional e político dos gaúchos. O que está em disputa não é apenas a reconstrução física das cidades, mas a reconstrução do pacto de confiança entre sociedade e Estado. Sem uma resposta institucional clara, ágil e sensível às marcas deixadas pelas enchentes, amplia-se o risco de afastamento da população do debate público, intensificando o descrédito e a radicalização política.
Reconstruir, neste contexto, exige mais do que obras: exige escuta, reconhecimento e reparação.
Pesquisa Vozes da Classe Média – Metodologia
A pesquisa foi realizada com 500 entrevistas digitais, aplicadas por meio de plataformas acessadas via smartphones, tablets e computadores. O recrutamento dos respondentes ocorreu de forma orgânica e dirigida, durante a navegação cotidiana em ambientes digitais.
A amostra foi calibrada com base nas variáveis sexo, idade, escolaridade, renda e região, assegurando a representatividade do eleitorado gaúcho. A margem de erro é de ±4 pontos percentuais, com nível de confiança de 95%.
O público-alvo da pesquisa é composto por eleitores com ensino médio ou superior completos, mais de 35 anos e inserção ativa no mercado de trabalho. Esse grupo representa aproximadamente 40% do eleitorado do Rio Grande do Sul e é especialmente sensível às variações econômicas e à efetividade das políticas públicas, sobretudo nas áreas de segurança, emprego, educação e desenvolvimento regional.
A pesquisa utilizou a Methodus ID – Inteligência Digital, metodologia exclusiva do Instituto Methodus para coleta, calibração e análise de dados via plataformas digitais, com foco em representatividade eleitoral.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, pesquisador em comportamento político, consultor, analista de dados e diretor do Instituto Methodus. Com mais de 25 anos de experiência no cenário eleitoral brasileiro, destaca-se na análise de tendências e no uso inteligente de dados para estratégias competitivas eficazes.
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