A eleição para o governo do Rio Grande do Sul em 2022 revelou um comportamento ideológico complexo, marcado pela disputa entre três polos principais: a direita, o centro e a esquerda. Neste artigo, investigo especificamente o desempenho territorial da Direita e do Centro (aprofundando a leitura da disputa pelo campo ideológico intermediário e conservador), a partir dos resultados do primeiro turno daquela eleição.
Três configurações territoriais distintas emergem da análise: os redutos consolidados da direita, os núcleos resilientes do centro e as zonas híbridas de disputa acirrada. Essa geografia do voto oferece uma chave interpretativa valiosa para compreender as dinâmicas regionais do eleitorado gaúcho e orientar estratégias futuras.
Os Redutos Conservadores – A direita apresentou hegemonia territorial expressiva em 2022, liderando em 412 dos 497 municípios. Essa superioridade não apenas numérica, mas espacialmente densa, se concentrou em regiões como a Serra Gaúcha, o Alto Uruguai, o Noroeste Colonial e as Missões territórios com forte presença da agroindústria, estrutura comunitária conservadora e influência religiosa significativa.
Cidades como Nova Bassano (40,3%), Flores da Cunha (39,7%), Vila Flores (39,6%) e Nova Pádua (39,3%) ilustram o enraizamento do voto conservador. Esses municípios compartilham características como coesão social, protagonismo de lideranças locais alinhadas à direita e uma cultura política orientada pela valorização da ordem, da moral tradicional e da eficiência administrativa.
Entretanto, essa base territorial sólida contrasta com a fragilidade de lideranças políticas fragmentadas. Conforme destaquei no artigo O Vácuo da Direita e do Centro no Rio Grande do Sul, há um descompasso entre a capilaridade eleitoral da direita e sua capacidade de articular lideranças competitivas e duradouras para cargos majoritários. A ascensão de partidos como o Republicanos que somou mais de 3 milhões de votos no estado expõe o potencial inexplorado de uma força política que carece de figuras catalisadoras com densidade eleitoral.
Os Núcleos de Moderação – Ainda que minoritário em termos absolutos, o centro político mostrou força em 85 municípios, formando bolsões de resistência ideológica. As vitórias mais expressivas ocorreram em Montauri (34,5%), Coqueiro Baixo (34,4%), São Martinho da Serra (33,9%) e Imigrante (33,3%), localidades onde o eleitorado tende a privilegiar a moderação, a capacidade técnica e a estabilidade institucional.
Esses núcleos se concentram em áreas historicamente menos polarizadas em disputas estaduais, como o Centro-Sul, o Vale do Taquari, a Campanha e a Fronteira Oeste. São regiões propícias à atuação de um centro reformista, que articule políticas públicas pragmáticas com leitura sensível das demandas locais. No entanto, como alerto no mesmo artigo, o centro também sofre com a escassez de lideranças com apelo popular e estruturas de mobilização eficazes, agravado pela estagnação de siglas tradicionais como PSDB e MDB.
Territórios em Disputa – O terreno mais disputado do território gaúcho se dá nos 138 municípios classificados como zonas híbridas, onde a diferença entre as candidaturas da direita e do centro foi inferior a 5 pontos percentuais. Nessa faixa fluida, a direita venceu em 86 municípios, e o centro, em 52. Cidades como Alvorada (diferença de 0,38 pp) e Alegrete (3,01 pp) exemplificam essa zona de transição ideológica. São geralmente centros urbanos de médio porte, com forte presença de servidores públicos, juventude urbana e segmentos populares — características que ampliam a volatilidade eleitoral e tornam essas localidades altamente sensíveis ao contexto nacional.
Os Termômetros Urbanos – Outra dimensão relevante da análise está nos grandes centros urbanos do Rio Grande do Sul. Cidades como Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Santa Maria, Gravataí, Novo Hamburgo e Viamão concentram, juntas, 32,3% do eleitorado estadual. Esses municípios funcionam como termômetros eleitorais, evidenciando tanto os limites quanto as possibilidades de avanço das correntes ideológicas da direita e do centro no estado.
A direita foi majoritária em cinco dessas cidades: Caxias do Sul, Canoas, Santa Maria, Gravataí e Novo Hamburgo. Esses municípios se situam, em sua maioria, na Região Metropolitana ou em áreas de forte dinamismo industrial, com predomínio de classes médias e trabalhadores da indústria. A adesão conservadora se explica, em grande medida, por discursos voltados à segurança pública, ordem institucional e eficiência gerencial.
Por outro lado, o centro se impôs em três colégios eleitorais estratégicos: Porto Alegre, Pelotas e Viamão. Nesses casos, o eleitorado respondeu positivamente a propostas moderadas, com ênfase na experiência administrativa e na articulação institucional. A capital, com mais de 13% do eleitorado estadual, figura como território-chave para o futuro político regional pela densidade populacional, pluralidade social e protagonismo político.
Essa distribuição revela que, apesar do domínio territorial da direita, o centro mantém competitividade nos principais centros urbanos, onde o ambiente cultural, a escolarização e a diversidade social favorecem discursos menos polarizados.
A geografia eleitoral do Rio Grande do Sul em 2022 confirma a diversidade do território na formação das preferências políticas. A direita se mostra enraizada em áreas com forte capital social conservador, enquanto o centro sobrevive em nichos urbanos e regiões onde o pragmatismo administrativo ainda é valorizado. Em ambos os casos, há uma lacuna visível de lideranças com capacidade de disputar hegemonia de forma sustentada.
As zonas híbridas oferecem, nesse cenário, um campo aberto à disputa simbólica e programática. Sua fluidez ideológica exige estratégias especificas, com discursos que dialoguem com realidades locais, construam vínculos duradouros e ofereçam soluções com credibilidade social.
Para a eleição de 2026, a transformação desse cenário dependerá menos de coalizões partidárias e mais da construção de lideranças com legitimidade local, capacidade de mobilização e sensibilidade regional.
Para a direita, o desafio é transformar sua presença territorial em projetos de poder estruturados. Para o centro, a tarefa é tornar a moderação atrativa para os eleitores que se deslocaram para direita nas últimas eleições.
O vácuo de representação pode ser convertido em oportunidade para aqueles que souberem ler o território como expressão viva da política.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, pesquisador em comportamento político, consultor estratégico, analista de dados e diretor do Instituto Methodus. Com mais de 25 anos de experiência no cenário eleitoral brasileiro, destaca-se na análise de tendências e no uso inteligente de dados para estratégias competitivas eficazes.
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