O conflito surge da escassez de recursos; pelo mesmo motivo, nasce a cooperação.
No Rio Grande do Sul, em maio, testemunhamos a colisão entre conflitos e cooperação em uma população gravemente afetada pela tragédia climática. Durante esse período, essas duas formas de interação entre indivíduos, afetados ou não pelas cheias, estiveram presentes nas mentes e corações dos gaúchos.
A escassez de recursos, resultante da rapidez com que as águas invadiram nossas vidas e cidades, mergulhou o ambiente político em uma crise de legitimidade desconhecida pela maioria de seus atores. Ao perceber que os recursos seriam insuficientes, a população recorreu à cooperação, buscando soluções imediatas com seus próprios meios. Tomando a iniciativa de resgate, acolhimento, proteção e salvação, os cidadãos consolidaram na consciência coletiva a legitimidade de suas iniciativas, permanecendo alheios as ações realizadas pelas instituições públicas ou políticas.
Este é um dos cenários onde ocorrerão as próximas eleições municipais, em um ambiente conflituoso e carregado de desconfiança na capacidade dos políticos em conduzir a reconstrução do estado.
À esquerda, no gráfico, é mostrado o nível de confiança dos entrevistados na atuação da liderança municipal para administrar as consequências das cheias. O percentual indicado no interior das barras representa o impacto de cada nível de confiança na decisão de voto para a próxima eleição.
Como observamos, nos resultados da pesquisa – As Cheias de Maio de 2024 – mesmo que haja alguma confiança na capacidade de reconstrução, o processo de decisão de voto foi afetado para 38,9% dos entrevistados que confiam. Para aqueles que confiam pouco, 56,6% tiveram sua decisão afetada, enquanto 77,4% dos que não confiam declararam que sua decisão de voto foi muito afetada.
Neste cenário, a crise de legitimidade revela-se profunda e difícil de ser superada mesmo diante de boas notícias na reconstrução. Houve uma fratura significativa na relação entre eleitores e políticos, e, independentemente da confiança anterior na atuação destes, a decisão de voto para a próxima eleição foi comprometida.
No contexto do período eleitoral que se avizinha, torna-se ainda mais crucial compreender o impacto da crise de legitimidade política na tomada de decisão dos eleitores. A falta de confiança e a desconfiança generalizada em relação à capacidade dos políticos de conduzir a reconstrução do estado após a tragédia climática são elementos chave que moldarão o cenário das próximas eleições municipais.
É evidente que os eleitores estão mais atentos e exigentes em relação às propostas e compromissos dos candidatos, buscando não apenas soluções imediatas para os problemas enfrentados, mas também uma visão clara e transparente de como serão abordadas as questões de longo prazo, como a prevenção de desastres naturais e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, os políticos têm o desafio de reconquistar a confiança perdida, demonstrando comprometimento real com o bem-estar e o progresso da comunidade. A capacidade de apresentar propostas concretas, transparentes e alinhadas com as reais necessidades da população será determinante para influenciar a decisão de voto dos eleitores e para iniciar um processo de reconstrução não apenas física, mas também social e política, fundamentado na confiança mútua e na colaboração efetiva entre todos os envolvidos.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia – Labô, Consultor e Diretor no Instituto Methodus. Nos últimos vinte e cinco anos, orientou campanhas eleitorais, políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Tocantins, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.