Definir o conceito de “Populismo” é uma daquelas tarefas extremamente complexas devido às inúmeras adaptações, inclusões ou modificações quanto ao seu entendimento ou aplicabilidade ao longo da história. Hoje, no entanto, prevalece o entendimento do teor associativo de atos que visam criar uma relação direta com parte de uma sociedade, no entanto, ganhando um determinado teor pejorativo e lincado a ações extremamente performáticas e teatrais.
Atitudes como carisma, patriotismo, nacionalismo, discursos que unifique uma ideologia ao mesmo passo que se diferencie de outras, captação de pautas, ter adversários (ou até inimigos), dentre outros, são características fortes e agregadoras para o populismo, bem como aproveitar-se de fragilidades democráticas ou das necessidades de uma sociedade, valendo-se do uso de qualquer proposta, argumento ou justificativa que cumpra com seus objetivos performáticos.
O populismo visto e analisado nos momentos de grandes catástrofes é mais perceptível, pois se alimenta e se beneficia diante das possibilidades que se abrem para produzir e performar nessa intrínseca atuação que lhe cabe e lhe garante o percurso do caminho desejado.
Em ocorrências catastróficas como o desastre ocorrido no estado do Rio Grande do Sul, sob aspectos ambientais e de falhas gerenciais, cria-se a oportunidade de analisar os motivos ocasionais e os comportamentos de atuação por diversos ângulos e perspectivas, e o populismo é uma delas.
Percebe-se num primeiro momento que a pluralidade partidária hoje existente no Brasil e os virulentos embates encontrados, são um dos primeiros benefícios ao populista para orientar seus comportamentos diante de uma tragédia. Abrindo possibilidades de determinar a ideia de que não são eles os responsáveis pelos atos do passado e de possíveis contribuições para a ocorrência do desastre. Há também o posicionamento em citar os culpados e quais são os erros que esses cometeram (no geral e com raras exceções, são atribuídos aos adversários políticos ou de partidos opositores). E não obstante, a promessa incisiva de que dali em diante têm-se a solução e o comprometimento para evitar esses mesmos eventos no futuro.
Outra ocorrência comum é o da importância de se ter um representante dentre os afetados para servir de modelo de cuidado. De preferência, alguém que tenha sido profundamente afetado pelo desastre e que seu estado de vítima seja explorado como fruto de uma má gestão pública adversária e de um sistema falho. Se tornando um representante de todo o sofrimento igualmente acometedor a outros, e ainda, que traga aos olhos de quem assiste, a sorte fatídica após a chegada de determinados populistas. Firmando assim, por associação, a imagem de que o comprometimento será igualmente praticado para os outros milhões de atingidos.
Ocorre que muitas vezes, esse singular representante não é necessariamente uma pessoa. Podendo ser um cavalo ilhado em um telhado de uma casa, um cachorro resgatado, um símbolo religioso, uma ponte…
Podemos perceber ainda outro fator que muito agrega ao populismo nesses momentos, o da oportunidade de produção e geração de IMAGENS. Fotos e vídeos são os principais meio de divulgação do trabalho pós-catástrofe para um populista.
Desta monta, um lançamento de um grupo de atuação emergencial pode tomar as pompas de um comício.
Relatórios diários das ações tomadas e dos números atualizados são feitos por “lives” ou “infocomerciais” nas redes sociais e mídias tradicionais com vestes e coletes adequados ao momento.
Novos projetos e futuras ações que deverão ser implementadas de forma detalhada e bem apresentada por especialistas, dificilmente são vistas ou divulgadas de modo tão constante como são realizadas as aparições populistas durante o pós-desastre. Onde nos deparamos com vídeos bem formatados, com agentes públicos abraçando crianças e famílias em situação de vulnerabilidade, promessas de uma nova vida dali em diante, ou um valor monetário, eletrodomésticos, e inúmeras ajudas das mais diversas e vagas determinações.
Os atos são muito parecidos com as produções de uma campanha política. Inclusive, basta ver os ângulos de filmagens, os olhares e expressões bem dirigidos, as músicas inseridas de forma a criar um clima de consternação, o ambiente de fundo, e tudo mais que passe a sensação de um ato político sério e comprometido. E quanto mais hollywoodiano for a produção, melhor o resultado.
Um bom populista tem que alimentar seu carisma ou sua força de batalha quase que diariamente, sendo assim, quando há um evento catastrófico que auxilie esse árduo trabalho de produção da autoimagem e de narrativas, vê-se a oportunidade perfeita para a criação desse material.
Rui Barbosa em um texto*, onde ele por diversas vezes baliza alguns silogismos acercas das falácias políticas, coloca a seguinte frase: “Nada mais falsificado, nas democracias, do que o título de amigo do povo”.
Esse trecho nos faz pensar sobre um sentimento que parece estarmos deixando de lado. Aquele que nos dá a percepção ou pelo menos uma desconfiança de que há na política muitos discursos em formato de sofismas tentando construir paralogismos na sociedade.
Do mesmo texto de Rui Barbosa, temos o seguinte recorte: “Nas democracias, a cliente sedutora das almas ambiciosas é a política, o instrumento da dominação. E a política, em nossos dias, no Brasil, é uma soberana desabusada, cujo gozo se oferece em recompensa ao inventor do mais engenhoso sofisma, ou ao fabricante do absurdo mais oportuno.”
Por fim, há tempos normalizamos esses atos populistas realizados por POLÍTICOS, e no momento fazemos igual aos atos de EMPRESÁRIOS e INFLUENCERS, enquanto nos ludibriamos à uma miragem da solução.
Carlos Machado Jr é Jurista com Especialização em Direito Constitucional, Filósofo e Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – Labô.