Os problemas que estão diante de nós são especialmente complexos e nossa capacidade de intervir é extremamente limitada. Somos reféns das escolhas que fizemos ao longo do tempo e será com elas que iremos conviver durante a tragédia que se abate sobre nosso Estado.
Nesse contexto as tensões internas dos sistema democrático tendem a criar um mundo de queixas e acusações, no qual se passa a impressão de que o governo falha sempre e os políticos não são pessoas de confiança (Innerarity, 2017).
A limitação da intervenção individual associada à perda de confiança pode ser encontrada na desconstrução da legitimidade. Independentemente das diferentes ocupações que podemos observar em nossa sociedade, onde a legitimidade tende a ser perene, no meio político ela está em permanente construção, pois não está dada.
Dificilmente questionaremos a legitimidade de atuação do Outro na tragédia, pois, toda ação encontrara acolhimento e reconhecimento diante das diversidades e necessidades que enfrentamos, porém a Legitimidade Política não seguirá a mesma lógica. Na democracia a legitimidade não será perene, mas temporal, e será revisitada a cada quatro anos, quando governantes eleitos deverão submetê-la a validação.
Se por um lado, a legitimidade é observada nos coletes laranjas, nas entrevistas coletivas e publicações em mídias sociais, por outro, sobrepõe-se a tergiversação dos verdadeiros problemas. Neste contexto a retórica política “não é hora de procurar culpados”, é contraposta por outra, que encontra maior legitimidade junto à população, e pode ser resumida na potência de uma frase “É o povo pelo povo”.
Impõem-se ao debate, questionar as ações passadas, presentes e futuras de nossos governantes e procurarmos por legitimidade para minimamente garantir a sobrevivência do nosso modelo econômico, social e político.
Ao investigar a opinião dos eleitores porto-alegrenses encontramos o esfacelamento da legitimidade de nossos governantes, que pode ser verificado na falta de confiança para administrar as consequências futuras desta catástrofe.
A maioria dos nossos entrevistados declara não confiar na capacidade das instituições políticas de administrar a crise que enfrentamos e que tende a se agravar diante da crescente necessidade de intervenção pública na vida privada. Essa urgência expõe a exaustão, o desgaste e a fadiga dos gestores, causando enorme frustração e consequente perda de legitimidade que fica evidenciada pela falta de confiança em sua capacidade de atuar no presente e no futuro de nossas necessidades.
A avaliação a seguir revela o impacto das cheias na confiança das instituições e dos governantes.
Administração Municipal:
Administração Estadual:
Administração Federal:
Associada à perda de confiança, identificamos o impacto na decisão de voto para as próximas eleições municipais. A grande maioria dos eleitores declara que sua decisão de voto para a escolha do próximo prefeito na capital será muito afetada ou afetada pela maneira como a crise vem sendo conduzida.
A necessidade de compreender o impacto da crise permeia todo o ambiente político. Se antes observávamos alguma certeza em relação ao futuro político do Prefeito da capital, hoje, nos deparamos com absoluta incerteza. Da mesma forma, coloca-se em dúvida o desempenho do Governador do Estado e sua capacidade de responder à crise.
Neste artigo discutimos os desafios complexos enfrentados em meio a nossa tragédia, destacando a perda de confiança nas instituições políticas e governantes devido à gestão inadequada da crise, segundo a opinião dos moradores de Porto Alegre.
Isso resulta em uma desconstrução da legitimidade política, levando a um debate sobre a validade das ações dos governantes. A falta de confiança é acentuada pela incapacidade, percebida, das instituições em lidar com a crise, o que influenciará significativamente a decisão de voto dos eleitores para as próximas eleições municipais, tanto em Porto Alegre quanto nas demais cidades gaúchas afetadas pelas Cheias de Maio de 2024.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia – Labô e Diretor no Instituto Methodus. Nos últimos vinte e cinco anos, orientou campanhas eleitorais, políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Tocantins, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.