“A decisão de em quem votar é pessoal e depende dos seus valores, preocupações e visão para o país ou comunidade. Recomendo pesquisar os candidatos, suas propostas, histórico e valores. Considere também as questões que são importantes para você, como educação, saúde, economia, meio ambiente, entre outras. Isso ajudará a escolher um candidato que esteja alinhado com suas prioridades e crenças”. Chat GPT consultado às 23:44 horas do dia 12/08/2023.
A resposta da inteligência artificial – um nome que não entrega nada: como pode uma inteligência ser artificial? – nada mais é do que uma arrazoado do que se colhe por aí e que confirma a sua vocação de ser inodora, incolor e insípida. Imagine se ela fosse possível no nazismo, por exemplo e pense em quais respostas daria e de que lado ficaria…
Por ser tão comedida, o que a IA fala, não compromete, mas também não avança em nada. Será de fato que o eleitor – quando ele existe na consumação de seu voto – leva em consideração toda essa fleuma quando na escolha de seu candidato? Temo que nem um pouco. A política calculada assim pode bem fazer parte dos bastidores, das estratégias e da engenharia do voto, mas seguramente não do universo de comprometimento do eleitor.
O que a IA dispôs aqui pode bem funcionar como uma fala insossa que não quer dizer nem significar nada, mas que pode representar um distanciamento que se pensa elegante. Na prática, o eleitor identificado com um dos lados do espectro político, não se coloca em dúvida jamais e apenas pode simular comedimento. Por dentro, seu coração está a mil e sua pressão, bem alta.
Não precisaríamos dos últimos eventos eleitorais para perceber que se vota pela emoção e que não se passa nem por perto de se optar friamente por um ou outro candidato: pode-se ser agressivo de esquerda à direita e a variação se dá por intermédio do domínio das moedas de troca, que no caso da política, se equivalem ao capital cultural de cada pessoa. A fúria pode aparecer na defesa do porte de armas ou na proibição desse acesso e isso é uma constante seja lá qual for o assunto em que a política lançou o seu foco.
Passados tantos anos convivendo com a democracia e percebemos que pode haver fidelidade a um espectro ou outro da mesma maneira com que alguns de nós são fieis aos seus clubes de futebol, sendo que a emoção por vezes, é quase a mesma. E se a IA fosse inteligência de fato, ela seguiria pelo mesmo caminho. Isso além de propor e sugerir estratégias de irritação e de investimento no ressentimento digital.
Conseguir captar a atenção do eleitor que exerce o seu direito de voto, parece-me o problema e o objeto centrais de uma campanha política e tudo isso não ocorre por meio da razão, mas sim através do engajamento. E, de modo diferente do que a IA pode supor, a atenção deve ser voltada para o que quer que seja uma tendência. E aqui pensamos em nada que seja morno, mas naquilo que tem potencial de proliferação.
Estar atento às modas passageiras – se durassem, não estariam nas redes sociais – que permanecem menos de 24 horas e que são essenciais para se perceber o que se passa pelo imaginário do eleitor. Contudo, o universo das redes sociais não foi criado do zero. Há uma cultura ali que está em conexão com o que antes existia. Assim, o gosto pelas polêmicas, as discussões mais empolgadas, a escala de ódio, de inveja ou ressentimento somente se amplificaram através da internet. Mas não se trata de nada excepcionalmente novo, pelo contrário.
Dependendo do eleitorado e do domínio de repertório, os temas a serem pensados como perspectiva de diálogo podem variar muito. Para alguns, trends como o filme da Barbie, a proibição de compra e venda de pets em lojas ou a diminuição de impostos para automóveis elétricos podem se conectar bem. Para outros, a construção de um açude, o saneamento básico ou a facilitação de programas de empréstimo pode gerar um aumento significativo de auto estima. A sensação de dar conta de um boleto é um marcador de comportamento que sempre devemos levar em consideração em nosso país.
É interessante e necessário estar atento ao vocabulário e acima de tudo, não o desprezar jamais. A gente vai, é nois, nois gosta, se pá, mano, vei, treta ou bagaça devem ser levadas tão a sério quanto as expressões mais castiças e formais. A comunicação política, me parece, deve ter o camaleão como sua mascote, de tal maneira se faz necessário ser compreendido e compreender os eleitores, sejam eles conectados ou que estejam vendo o mundo através de uma janela com vista para a praça da matriz.
Duvido que inteligência artificial alguma dê conta desse recado.
Fernando Amed é Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do LABÔ.
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