“Na civilização do espetáculo a política passou por uma banalização talvez tão pronunciada quanto a literatura, o cinema e as artes plásticas, o que significa que nela a publicidade e seus slogans, lugares-comuns, frivolidades, modas e manias, ocupam quase inteiramente a atividade antes dedicada a razões, programas, ideias e doutrinas. O político de nossos dias, se quiser conservar a popularidade, será obrigado a dar atenção primordial ao gesto e à forma, que importam mais que valores, convicções e princípios. Cuidar de rugas, calvície, cabelos brancos, tamanho do nariz e brilho dos dentes, assim como do modo de vestir, vale tanto (e as vezes mais) quanto explicar o que o político se propõe a fazer ou desfazer na hora de governar.” Mario Vargas Llosa. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013, p. 44.
A pergunta título dessa coluna está longe de ser meramente retórica. É preciso que se busque sempre pelo desvendamento das expressões que chegam até nós e que passamos a usar com frequência. E para no ajudar no encaminhamento de respostas, vamos aqui retomar um pensador francês, também político, chamado Alexis de Tocqueville (1805-1859). Cabe a ele a primeira percepção do comportamento dos cidadãos que vivem em uma democracia. Viajando para os Estados Unidos em 1831, Tocqueville se mobilizou em mapear o comportamento das pessoas que viviam em uma democracia, diga-se, a primeira que se teve notícia desde a curta experiência ateniense na antiguidade.
E sua preocupação se mostrou justificada uma vez que se tratava de um sistema em que os eleitores tinham igual peso e responsabilidade na escolha dos caminhos políticos a serem seguidos. O autor, quase um antropólogo, veio a notar que o maior risco para a continuidade da democracia se encontrava exatamente no mecanismo de seu funcionamento. Ou seja, recairia sobre a maioria a decisão sobre a condução política da nação. Mas, ao invés de otimismo em relação a isso, Tocqueville se preocupou com o preparo do povo para que as escolhas fossem feitas de modo criterioso.
Liberdade era a maior preocupação desse autor, uma vez que a igualdade seria muito mais fácil de ser encetada: sabemos identificar a ausência de igualdade na medida em que convivemos com pessoas que possuem privilégios adquiridos ao nascer. Mas isso não ocorre em relação à liberdade: podemos perdê-la e nem sequer nos dar conta disso. E é exatamente por ser um artigo refinado e delicado que necessitamos de muitos esforços intelectuais para mantê-la e para que possamos antecipar em relação aos riscos de desaparecimento da liberdade.
Para esse autor, o comportamento do indivíduo na democracia sinalizava a necessidade de luta incessante pela sobrevivência, uma vez que nada estava seguro, se fôssemos comparar com os modos de ação da aristocracia. E o paradoxo então é que em um regime monárquico, poderia haver mais espaço para a dedicação ao espírito e, nesse sentido, com a reflexão mais detida que desse lugar para se cuidar da liberdade sem nunca a perder de vista.
E veja que essas preocupações com o preparo do cidadão ou com a tirania da maioria mobilizaram Tocqueville em um contexto inicial de configuração da opinião pública. Tivesse vivido nos dias de hoje, o que Tocqueville teria notado que não conhecesse? Creio que nada, a não ser o aprimoramento das tensões anteriormente notadas.
Não há possibilidade de percepção do eleitorado fora do viés do comportamento e não precisamos aguardar as eleições periódicas para tomarmos contato com ele. O comportamento dos cidadãos habilitados para o voto pode ser pensado e tomado a partir das manifestações nas redes sociais, para o caso em que haja a disponibilidade delas, a partir da presença de redes de wi-fi, internet de fácil acesso e celulares.
Nas capitais, parece-me que o caso seja mais franqueado à nossa atenção. As modas e tendências se configuram nas redes e muitas vezes se conectam com a política. As causas identitárias costumam ocupar um lugar de destaque uma vez que dão espaço para que se fale de si próprio, talvez o principal motivo para se frequentar as redes sociais. É preciso igualmente que se dê atenção aos temas que passem pela religião na medida em que ela vem se comunicando de modo expressivo com a política. Causas identitárias e religião fazem parte do que hoje chamamos de guerras culturais, a saber, a disputa cerrada pela elaboração de narrativas que venham a pegar, estimular e mobilizar, mesmo que nem prestemos atenção à política.
Mas e nos lugares em que não se tem tanto espaço assim para o uso mais expressivo das redes sociais? O esforço aqui é pensar em pesquisas de opinião que visem mapear o comportamento a partir de temas distantes da política propriamente dita. Os assuntos que mais mobilizam as pessoas podem ser aqueles que transitam então pela mídia mais clássica no rádio ou na TV. Mas é preciso perceber as peculiaridades regionais e os assuntos que pegam.
Sociólogos que se destacaram no século passado, como Pierre Bourdieu (1930-2002), bem sabiam que o mapeamento de hábitos de alimentação, o modo de receber pessoas em sua casa ou os gostos musicais tem muito a dizer sobre a classe social em que essa pessoa pertence. E não falamos aqui somente de renda, mas na expressão de Bourdieu, do capital simbólico, aquele que se manifesta a partir dos gostos, juízos ou opiniões manifestadas.
Nas minhas aulas sobre esse tema, costumo apontar para os alunos que eles pensem sobre expressões corriqueiras que falamos sem pensar e que passam as coordenadas da nossa cultura. Dizer que se está afim de ir para um japonês diz muito acerca da pessoa e seguramente marca a distância de tantos outros que teriam dificuldade em compreender o que se está dizendo. As pesquisas que venham a focar no comportamento devem ser pensadas a partir desses pontos de vista.
Quer entender o comportamento dos seus eleitores? Entre em contato com quem possui mais de vinte e três anos de experiência em Comportamento Político.
Fale Conosco e agende uma reunião.
Fernando Amed é Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do LABÔ.
Leia também:
O embrulho não é a melhor parte do presente.