Lembro de uma conversa que tive, tempos atrás, com um candidato em campanha onde ele me relatava que um cientista político o havia orientado a falar de agenda ao invés de propostas de governo. O motivo seria que propostas podem não serem cumpridas, na medida que agenda seria a ‘alma’ da gestão, o que nortearia todas as ações tomadas desde o primeiro dia após eleito. Respondi que ele estava disputando as eleições em um dos estados mais pobres do Brasil, e não dando palestra para alunos de Ciências Políticas. E mais: que para uma parcela elevada dos eleitores a agenda é um caderno onde se anota telefones. O ‘agenda’ que o cientista político propôs é somente um anglicanismo que enche os olhos de uma elite intelectual, mas não o eleitor-médio.
É bom falar bonito, recorrer a termos em inglês — se for em francês, voilà!! — mas é muito melhor ser conciso, claro e compreendido por quem queremos nos comunicar. Fica ainda melhor quando usamos expressões, sotaques e gírias comuns a seus cotidianos. É preciso contar estórias que tenham relação com aqueles que essas pessoas cresceram ouvindo. Isso não é fácil e, muitas vezes, nossa necessidade de contá-las com a nossa percepção do mundo — algumas vezes com nosso ego também — nos afasta de nossa audiência. Ou pior, quando tomado por essa ‘cegueira’ acreditamos que usar referências que nós temos sobre nossa audiência, pode funcionar. O problema é quando tais referências são datadas, e só servem para mostrar como pouco nos importamos com quem vamos comunicar.
É como a direção de uma novela que escala um ator carioca para um papel de baiano ou gaúcho. Com raras exceções, o desastre está encomendado: o que poderia ser uma boa abordagem pode parecer escárnio. Como nordestino que trabalhou em diversos estados brasileiros, assisti a inúmeras tentativas de emulação do meu sotaque: 99% foram terríveis, mas deixou claro para mim que foram tentativas de conexão frustradas. Comunicação é sobre isso: usar referências para construir pontes ou derrubar muros. Eu sou um exemplo vivo disso: quando apresentado a uma pessoa, sempre faço alusão aos clubes de futebol do estado ou cidade que a mesma me informou ter nascido ou ter se criado. Isso dá errado? Sim, em ⅓ dos casos, quando a pessoa não gosta de futebol ou simplesmente não está interessado em falar sobre o tema. Mas na maioria das vezes, funciona e constrói as tais pontes.
Com política não é diferente: há diversas referências sedimentadas nas mentes dos eleitores brasileiros, cabíveis de uso como gatilho em novos discursos. O Lula eleito em 2023, teve o Lula presidente dos anos 2003 a 2010 como modelo. Assim como Brizola, e até os dias atuais os Brizolistas, usam o trabalhismo que transformou Getúlio no ‘pai dos pobres’. Houve também os ‘lava-jatistas’ que ganharam visibilidade nos últimos anos revisitando o ‘vassourinha’ do Jânio ou o ‘caçador de marajás’ de Collor. Curiosamente, em ambos os casos, os candidatos foram eleitos e, por motivos diversos, não terminaram o mandato. Fora isso, é possível até mesmo usar menções diretas aos nomes de políticos que se acredite ter patrimônio político suficiente para fomentar a eleição de um terceiro. É comum vermos filhos ou netos fazendo isso a atacado, ou mesmo esposas que fazem uso do expediente ‘fulana de ciclano’ para mostrar aos eleitores que são confiáveis ou merecedores de seus votos. Outras aberrações acontecem com nomes de tela, mas estão mais para a imitação ruim de sotaques que abordagens válidas.
O essencial é recorrermos às referências como aliadas em discursos políticos. Falar bonito, com palavras difíceis, não fará um político parecer melhor que outro candidato. E muito menos garantirá sua eleição. Quando vemos a lista dos deputados federais com maiores votações nas últimas eleições notamos isso. Pessoas votarão em quem elas possam compreender. Caso contrário, se nenhum candidato construir essa ponte ou derrubar os muros, ela votará branco ou anulará seu voto. Freguês Karinthy, escritor húngaro, criou a Teoria dos Seis Graus de Separação que, em resumo, afirma que as pessoas no mundo estão ligadas por até seis relações pessoais. Com as redes sociais, isso deve ter se reduzido para metade. Quando sabemos quais referências usar, cortamos caminho, fazemos contato ‘direto’. O desafio está em compreender o que podemos usar a nosso favor, e como.
É fascinante como as referências se acumulam no cotidiano político brasileiro. E para mim, há uma fórmula quase infalível de a usarmos em nosso favor. Primeiro, é necessário conhecer a história e, principalmente, as estórias que são passadas por populares na cidade ou estado onde vamos atuar. É como começar a nadar: é sempre bom começar no raso ou perto das bordas. Quando ficamos familiares a tais referências, está na hora de compreender quais fazem sentido no momento e cenário eleitoral que estamos diante. E aí, não tem maneira melhor para isso que ouvir as pessoas. O máximo possível, sem ideias pré-determinadas ou preconceitos. Posso afirmar que as melhores estratégias foram aquelas que escrevi usando as palavras dos eleitores que ouvi. Não foram apenas legítimas, como usaram o tom e o vocabulário que os eleitores conversam entre si, seus parentes ou amigos. A maneira que eles, como agentes de mobilização política, constroem seus discursos.
Em resumo, construa discursos políticos de fácil compreensão, com palavras de uso cotidiano, fazendo ponte com as estórias conhecidas e focando nos problemas que os eleitores percebem. O que precisa ficar claro é que a campanha não é a respeito do candidato, mas sobre problemas enfrentados pelos cidadãos e o que esses sabem ou são capazes de compreender sobre a solução dos mesmos. Por isso devemos usar referências cristalizadas nas mentes dos eleitores, sem confundir ser inovadores com sermos mirabolantes. Os eleitores, mesmo não conhecendo o candidato pessoalmente, buscam identificar as referências comuns em suas vidas em seu discurso. O político pode até ser extraordinário, mas para ser eleito deve ser capaz de se comunicar de forma ordinária.
Paulo Petitinga é estrategista político, mestre em Comunicação e Opinião Pública pela Universidade Católica de Brasília, e pesquisador-convidado do Labô – Laboratório de Política, Comportamento e Mídia, da PUC-SP.
Paulo Petitinga (437) 345-0199
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