Cresci numa família sui generis: só tive uma ou duas festas de aniversário na vida, o Papai Noel foi desmascarado muito cedo, e não estamos acostumados a trocas de presentes. Que fique claro que isso não me causou nenhum trauma, apenas me fez tratar meus aniversários de forma mais cotidiana e, principalmente, compreender que bons presentes não precisam de embrulho ou dedicatórias. Inclusive, por conta disso, nunca concordei plenamente com o ditado “a primeira impressão é que fica”, pois acredito que quanto mais imerso estamos em uma relação, mais próximo estamos de desembrulhar o presente. Isso serve para relações entre pessoas, entre pessoas e marcas, ou mesmo entre candidatos e eleitores.
Em 2010, um vídeo viralizou nas agências de publicidade brasileiras. É uma palestra no TED Talks onde o britânico Simon Sinek afirma que as mais influentes empresas ou lideranças teriam em comum a capacidade de inspirar ao invés de pura e simplesmente manipular consumidores ou cidadãos. E, baseado nos padrões estudados, o palestrante nos oferece um roteiro para analisarmos como construirmos estórias inspiradoras: o Ciclo Dourado. O ciclo seria composto de três camadas — (a) o quê, (b) como, e (c) o porquê — onde quanto mais profundo o discurso, maior será sua capacidade em inspirar as pessoas. Inclusive, fiz uso desse roteiro em determinadas campanhas políticas, tomando a liberdade de fazer certas modificações.
A camada menos profunda é ‘o quê’ ou a cara da candidatura em si. É o nome de tela do candidato, que pode ser um apelido, um nome composto ou o nome emprestado de um apoiador famoso, com a possibilidade do uso de prefixos (como ‘Pastor’, ‘Delegado’, ‘Irmã’ ou ‘Professor’) ou sufixos (como ‘da padaria’, ‘do posto’, ‘do BBB”, entre outros). O número do candidato também reside nesta camada — uma escolha tão decisiva quanto o nome usado pelo candidato —, assim como o partido político ao qual o candidato está filiado. Caso as eleições fossem um supermercado, ‘o quê’ seria um pacote, acomodado em uma gôndola no corredor de vereadores, deputados federais, senadores, etc. É o mínimo — o dever de casa — muito pouco para um candidato ser eleito.
A camada imediatamente mais profunda é o ‘como’. É onde estão as inserções e guias eleitorais em rede de rádio e televisão, os jingles, os santinhos, as praguinhas e tudo mais que for criado para comunicar a candidatura para o eleitor. Ou melhor: o efeito desses esforços de comunicação seriam o ‘como’. Como o nome da camada ilustra, é a maneira como um candidato irá cumprir o que propõe. É o congressista campeão de repasses para municípios que usa os volumosos números de mandatos anteriores para ratificar seu compromisso com prefeitos e vereadores. Ou o candidato a governador que usa seu histórico como prefeito da capital, ou grande cidade do estado, para afirmar que fez e sabe como fazer. Retornando à metáfora do supermercado, é o manual de instruções do produto ou o representante de venda que demonstra o uso do produto no corredor do produto.
E por fim, temos a camada do ‘porquê’. É uma camada observada em poucas campanhas, porém em campanhas provavelmente vitoriosas. Como vimos, o ‘o quê’ tem uma relação mais direta com a candidatura em si, e o ‘como’, explica como o histórico do candidato o credencia a fazer o que propõe. O ‘porquê’ fala diretamente com o eleitor, deixando claro as razões pelas quais candidato e eleitor estão alinhados e podem trabalhar de mãos dadas para melhorar o município, o estado ou o país. É nessa camada que o comportamento eleitoral vai muito além das eleições: é sobre acreditar. Ou, no caso do supermercado, é o corredor de chocolates, doces e outros pesadelos dos nutricionistas que há na fila do caixa. É sobre tomada de decisão por impulso, é sobre autossatisfação, mas também paixão.
Quando morei em Pernambuco, ouvi relatos de pessoas que colocavam uma fotografia de Miguel Arraes — possivelmente o maior político da história do estado — na água e ofereciam às crianças doentes. Há quem creia que Lula é um santo, assim como há quem creia que Bolsonaro foi um emissário divino que salvaria o país. O que todos esses exemplos têm em comum é a simplicidade que faz a camada do ‘porquê’ acessível. É claro que são exemplos extremos, casos de sucesso, mas é sobre mostrar que há razões para acreditar, e convidar o eleitor a caminhar conosco. O que é bom não precisa ser complicado. É como a comida boa de mãe ou avó, que você sente o cheiro de longe e se serve direto da panela. É como uma criança que fica hipnotizada pelo presente e joga no chão o embrulho. O que surpreende é o presente, não a forma como ele foi embrulhado.
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Paulo Petitinga é estrategista político, mestre em Comunicação e Opinião Pública pela Universidade Católica de Brasília, e pesquisador-convidado do Labô – Laboratório de Política, Comportamento e Mídia, da PUC-SP.