O mundo não se resume aos ‘trend topics’ do Twitter. Com exceção dos casos de marcas ou candidatos a ‘influencers’ que usam essa curadoria dos assuntos mais comentados nessa rede social para geração de conteúdos com maior visibilidade. Fora isso, a bolha do Twitter, e outras tantas redes sociais, confundem mais do que esclarece sobre o que acontece no mundo ‘lá fora’. Tudo bem, não há problema em viver numa bolha, mas um político ou um cidadão envolvido na construção de políticas públicas precisa colocar a cabeça para fora e observar o mundo como ele é.
Em agosto de 2023, quando escrevo esse texto, os trend topics do Twitter — ou X, como autointitulado atualmente — são basicamente sobre futebol (e muito!), cultura pop e fofoca de famosos. Há quem possa afirmar que isso é a vida do brasileiro-médio. E concordo que como um espaço recreativo, as redes sociais devem ter mesmo que ser pautadas por coisas divertidas ou relaxantes. Minha ‘timeline’, por exemplo, está lotada de memes e vídeos de cachorros. O problema é o que acontece entre os acessos às redes sociais ou WhatsApp, que é bem menos ‘instagramável’. E costuma ser aí, nesses momentos sem ‘trend topics’ que a política precisa ser feita.
A Internet, especialmente as redes sociais, e a política são dois animais muito diferentes. O fato de unir pessoas em cooperação, nem sempre amistosa ou com fins ao bem comum, pode criar a falsa impressão que estamos falando de espaços com dinâmicas comuns. O que não é verdade, apesar de muitas similaridades. E mesmo com as expectativas e oportunismos envolvendo o uso da Internet para se fazer política, há dois problemas crônicos que dificilmente serão solucionados: o tempo da política é diferente do tempo das redes sociais; e a ‘aldeia global’ da Internet não necessariamente explica ou dá alento às dores da realidade local.
Não é fácil, e muito menos rápido, criar leis no Brasil: da iniciativa de lei, com todas as limitações impostas pela Constituição, passando pelas complexas fases de discussão e votação, até a sanção pode-se durar mais de uma legislatura. E, por isso mesmo, apenas 1 a cada 284 propostas legislativas se torna lei (Jota/2023). O problema não é a morte precoce dessas leis, inclusive porque muita das leis propostas são sem relevância para o bem comum, sendo mais ações panfletárias de seus proponentes; mas sim a abissal diferença entre o trâmite legislativo e as discussões acaloradas nas redes sociais sobre determinado tema e/ou política pública. Eis que, visando responder às demandas dos internautas, muitos políticos apelam para o discurso em plenário vazio para publicação em suas contas no Twitter, Instagram ou Facebook. O discurso pode ser brilhante, mas se nenhum dos pares ouviu ou debateu, pouco funcionará para fins de estabelecimento de políticas públicas.
O outro problema da Internet é o conceito de aldeia global sem fronteiras. Isso sem dúvida acontece em diversas áreas, e mesmo na política, mas nunca na profundidade que acreditamos ou gostaríamos. Pois não adianta aderir à ‘hashtag’ politizada do momento se a sociedade brasileira ainda padece de problemas do século passado que somos incapazes de solucionar, como metade da população sem acesso a saneamento básico, casos de trabalho análogo a escravidão, ou milhões de brasileiros analfabetos. Isso não entra nos ‘trend topics’, mas precisa entrar no discurso e trabalho cotidiano de quem faz política. Inclusive, os países dessa ‘aldeia global’ que fizeram o dever de casa e superaram esses fantasmas que ainda nos assombram usam a Internet para discutir os próximos problemas a serem combatidos. E aí que fica ainda mais complicado, pois estamos falando de problemas válidos, que merecem atenção, mas não devem ser encarados como os únicos problemas existentes.
O filósofo espanhol Daniel Innerarity, ao analisar as possíveis razões da vitória de Donald Trump em 2016, fala em não haver experiências compartilhadas ou visão geral, mas apenas o conforto privado, por um lado, e sofrimento invisível, por outro. No caso das eleições americanas, teria sido o descaso das elites intelectuais pelos sofrimentos de uma classe trabalhadora interiorana que os fizeram aderir ao candidato conservar como uma bóia de salvação. E isso se encaixa com perfeição ao que observamos cotidianamente nas publicações de muitos dos políticos brasileiros: pautas morais que passam por cima de problemas reais do mercado de trabalho de quase 40 milhões de informais, fora os futuros desafios oriundos da ferocidade das startups e incremento da AI; ou pautas identitárias — muito válidas, esclareço — ao passo que 70 milhões de brasileiros não sabem o que vão comer amanhã. A miopia, no caso brasileiro, não tem lado.
É claro que política se faz de discordâncias, debates e publicização de ideias. Mas é importante responder a milhares de pessoas que não têm suas ideias contempladas em ‘trend topics’ ou publicações nas redes sociais. O político precisa entender que não necessariamente quem curte ou compartilha suas publicações nas redes sociais são seus eleitores, ou mesmo votam em seus colégios eleitorais. É ótimo ter suas ideias ouvidas e reverenciadas, mas política não é somente isso. Curtidas não elegem candidatos, assim como ‘trends topics’ não devem pautar eleições.
Paulo Petitinga é estrategista político, mestre em Comunicação e Opinião Pública pela Universidade Católica de Brasília, e pesquisador-convidado do Labô – Laboratório de Política, Comportamento e Mídia, da PUC-SP.
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