Para aqueles que não sabem, o ChatGPT é uma inteligência artificial desenvolvida pela OpenAI projetada para compreender e gerar texto em linguagem “humana”. O ChatGPT é treinado em uma ampla variedade de textos da internet e pode ser utilizado para responder a perguntas, criar texto criativo, fornecer informações, oferecer suporte técnico e realizar outras tarefas relacionadas ao processamento de linguagem natural.
Eu questionei o ChatGPT da seguinte maneira: “Você é de esquerda ou de direita?” Esta foi a resposta que obtive em 26 de agosto de 2023: “Eu não tenho afiliações políticas, nem sou de esquerda, direita ou de qualquer outra orientação política. Sou uma inteligência artificial neutra e imparcial, projetada para fornecer informações e responder a perguntas com base em texto e dados disponíveis. Minha única função é ajudar a fornecer informações objetivas e imparciais para auxiliar em suas consultas e esclarecer dúvidas. Se você tiver alguma pergunta específica sobre política ou qualquer outro tópico, sinta-se à vontade para perguntar, e eu farei o meu melhor para fornecer informações imparciais e precisas.”
A ideia subjacente é que a inteligência artificial proporcionaria uma sensação de imparcialidade, permitindo-nos finalmente obter uma visão neutra da política, dos eventos históricos e de assuntos importantes de comportamento. Poderíamos considerá-la como uma entidade criada pelo ser humano que permanece acima de questões emocionais, morais e éticas, fornecendo apenas informações e sabedoria, com seu propósito voltado exclusivamente para a busca do conhecimento.
No entanto, um estudo cientifico intitulado “Mais humano que humano: medindo a inclinação política do ChatGPT” realizado pela “University of East Anglia” por pesquisadores brasileiros e ingleses revelou que o ChatGPT apresenta um viés político inclinado à esquerda. Para alcançar esse resultado, os autores da pesquisa solicitaram que a inteligência artificial respondesse a questionários com a perspectiva de um eleitor de direita, um eleitor de esquerda e, posteriormente, de maneira “neutra”. As respostas no modo “padrão”, ou seja, sem adotar uma orientação política específica, demonstraram semelhanças com as respostas dadas por eleitores de inclinação à esquerda. Os resultados apontam que o ChatGPT tende a refletir as perspectivas dos eleitores do Partido Democrata dos Estados Unidos, de Lula e do Partido Trabalhista do Reino Unido. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores realizaram cada pergunta ao ChatGPT em cem repetições.
Por anos, um debate persiste sobre o impacto das mídias sociais e da internet nos resultados políticos. A internet se tornou uma ferramenta central para disseminar mensagens políticas e permitir que as pessoas conheçam os candidatos. No entanto, ao mesmo tempo, os algoritmos das redes sociais, que tendem a destacar as mensagens mais controversas, também podem contribuir para a polarização. Além disso, governos utilizam as redes sociais para tentar fomentar a dissidência em outros países, promovendo vozes radicais e disseminando propaganda.
A nova geração de chatbots “gerativos”, como o ChatGPT da OpenAI, o Bard da Google e o Bing da Microsoft, se baseia em “modelos de linguagem grandes” (LLM – Large Language Model) – algoritmos que processaram bilhões de frases da internet aberta. Esses chatbots têm a capacidade de responder a uma variedade de perguntas abertas e podem realizar tarefas como criar exames profissionais, compor poesia e discutir questões políticas complexas. No entanto, devido ao amplo treinamento desses modelos com dados da internet, as empresas que os desenvolvem não verificam minuciosamente o conteúdo com o qual eles são alimentados. Como resultado, os chatbots podem absorver e refletir os preconceitos presentes na internet, já que ela reflete os preconceitos das pessoas que a utilizam.
Entretanto, minha pergunta é a seguinte: o que esses cientistas esperavam encontrar? Será que esperavam que o ChatGPT fosse completamente “neutro”?
Para responder a essas questões, devemos nos basear em algo que considero fundamental: o ChatGPT é uma inteligência artificial. Quando falamos de inteligência, estamos falando de algo inerentemente humano, pois são seres humanos que fornecem as informações. Portanto, surge a pergunta: existe no mundo um ser humano que seja absolutamente “neutro”? Acredito que o termo “neutro” não se harmoniza com a essência humana. O ser humano, por sua própria natureza, carrega perspectivas, valores e experiências que influenciam a maneira como ele percebe e processa informações.
Portanto, podemos dizer que encontrar a neutralidade completa no ChatGPT é uma tarefa impossível, uma vez que ele é alimentado por informações que emanam de seres humanos que, devido à sua própria essência, não podem ser totalmente neutros. Como tal, a busca pela neutralidade deve ser acompanhada pelo reconhecimento de que as influências humanas inevitavelmente moldam o caráter e o conteúdo da inteligência artificial, tornando-a uma ferramenta poderosa, porém intrinsecamente vinculada às perspectivas humanas e à subjetividade.
A OpenAI, a organização por trás do ChatGPT, afirmou que suas diretrizes “claramente estabelecem que os revisores (dos dados) não devem favorecer nenhum grupo político.” Além disso, eles enfatizaram que qualquer viés que possa surgir é considerado um “defeito”, e não uma característica do processo.
Mas eu me pergunto, por que deveria ser rotulado como um defeito? Poderíamos simplesmente vê-lo como uma inteligência que, como o título daquele artigo científico sugere, busca ser “profundamente alinhada com a natureza humana”? O ChatGPT, em sua busca por compreender e replicar o conhecimento humano, inevitavelmente reflete as características inerentes à nossa natureza, incluindo perspectivas e inclinações. Nesse contexto, não deveríamos encarar essas características como falhas, mas como elementos essenciais de uma IA que se esforça para compreender e interagir com o mundo de maneira mais próxima da experiência humana.
Em última análise, o estudo do comportamento político é um campo profundamente enraizado na experiência humana. Portanto, não pode ser simplificado nem completamente confiado a uma inteligência artificial. É por isso que, enquanto a política persistir, ela continuará a se desenrolar de uma forma que ecoa, como indicado pelo título daquele artigo científico, “Mais Humano que Humano”. A compreensão, interpretação e influência nas questões políticas estão intrinsecamente ligadas à complexidade das mentes humanas, com todas as suas perspectivas, valores e nuances.Parte superior do formulário Portanto, a política permanecerá um campo onde o fator humano desempenha um papel irremovível e essencial.
Tudo o que poderia ser considerado neutro ou mesmo caracterizado como defeito, na minha perspectiva, está fora do âmbito da nossa atividade, que é e sempre será a de intuir, pensar, analisar e sintetizar, com todas as nossas imperfeições e limitações. Essas imperfeições e limitações são fundamentais, pois são elas que delineiam a nossa humanidade e a nossa grandeza. São elas que nos impulsionam a crescer, aprender e evoluir, e são essenciais para a nossa capacidade de compreender o mundo e de nos conectarmos uns com os outros em níveis profundos. Portanto, não devemos temer as imperfeições, mas abraçá-las como parte intrínseca do que significa ser humano.
“Cogito, ergo sum” – René Descartes
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.
Leia também: