Esta análise deriva de um estudo abrangente conduzido em 18 nações latino-americanas pela renomada organização Latinobarómetro, com sede em Santiago, no Chile. O propósito subjacente é iluminar a forma pela qual esta região global tem encarado uma inquietante “crise democrática” que perdura há mais de uma década. No âmbito específico deste estudo, serão examinados dados compreendidos no período de 2013 a 2023.
Essa pesquisa foi fundamentada em 19.205 entrevistas presenciais no período compreendido entre fevereiro de 2023 e abril de 2023.
A pergunta feita aos entrevistados é a seguinte:
Com qual das seguintes frases você mais concorda?
- “A democracia é preferível a qualquer outra forma de governo.”
- “Em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um democrático.”
- “Para pessoas como eu, tanto faz se o regime é democrático ou não democrático.”
Um aspecto interessante que merece destaque é a notável tendência de diminuição no apoio à democracia, que se manifestou de maneira consistente ao longo da última década. No período entre 2013 e 2016, observou-se uma gradual redução na aprovação à democracia, que passou de 58% para 54%. Embora tenha ocorrido um ligeiro aumento para 56% no ano subsequente, 2017, essa tendência sofreu uma reviravolta abrupta no ano seguinte, resultando em uma acentuada queda para 48%. Embora tenha havido uma pequena elevação para 49% em 2020, esta tendência regressou novamente para 48% em 2023, fortalecendo a trajetória descendente.
Por outro lado, mantém-se uma estabilidade entre aqueles que respaldam uma abordagem autoritária, com 15% em 2013, uma diminuição em 2017 com 12% alcançando um pico de 17% em 2023. Ademais, observa-se uma notável tendência ascendente entre os entrevistados para os quais o regime político do país possui pouca relevância. Essa tendência, que se inicia em 15% em 2013, culmina em expressivos 28% em 2023, representando um aumento percentual de relevância significativa ao longo do período.
Isso está correlacionado com uma realidade em que o desalento eleitoral vem crescendo consistentemente. O desalento eleitoral se manifesta quando os eleitores perdem o interesse e a motivação para participar em processos eleitorais devido à desconfiança no sistema político.
Esta corrosão de resultados pode também ser atribuída a diversos fatores: crises econômicas, escândalos de corrupção, descontentamento com as políticas governamentais e fragilidade do sistema partidário. O estudo sobre a “crise democrática” na América Latina atribui em grande parte esse declínio à negligência das elites diante da erosão das instituições e às pressões por mudanças nas regras do jogo – ou mesmo à ativa participação dessas elites na busca por tais resultados
Porém, ao examinarmos de maneira mais minuciosa a situação do Brasil neste estudo, qual é a condição atual da democracia no País?
No contexto brasileiro, a análise abarca um período abrangente, de 2013 a 2023, que nos revela nuances interessantes sobre o apoio à democracia. Durante a gestão de Dilma Rousseff, entre 2013 e 2015, o país testemunhou um dos momentos de maior respaldo democrático, atingindo uma aprovação de 54%. Este período contrasta de maneira notável com os índices de 32% e 34% registrados nos anos de 2016 e 2018, respectivamente.
É digno de nota o pronunciado declínio ocorrido entre 2015 e 2016, quando a taxa de aprovação caiu abruptamente de 54% para 32%. Esse declínio foi influenciado por uma série de fatores que exerceram impacto na esfera política brasileira, notadamente o desencadeamento do segundo processo de impeachment desde a redemocratização do país.
Ao se inserir no panorama histórico, o Brasil se destaca regionalmente por apresentar um nível de apoio à democracia mais delicado e contido, consistentemente mantendo-se abaixo do limiar dos 60%, em contraposição a outros países latino-americanos. Um ponto crucial a destacar é a constatação de que, mesmo durante o ano da pandemia e em meio à ascensão de Jair Bolsonaro, foi observado um aumento de seis pontos percentuais, elevando o índice de aprovação de 34% em 2018 para 40% em 2020.
O ano de 2023 também revelou mudanças marcantes, coincidindo com a terceira eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse contexto, houve um considerável acréscimo no apoio à democracia, atingindo 46%. No entanto, é imperativo reconhecer que mais da metade dos entrevistados brasileiros (54%) não expressam um apoio pleno à democracia, apontando para uma complexa dinâmica de opiniões e perspectivas.
No contexto desse estudo, é possível inferir que enfrentamos uma situação de fragilidade democrática que merece uma constante vigilância. Em última análise, devemos lembrar que, apesar de suas imperfeições, a democracia é a menos pior forma de convivência. Ela pode ter suas falhas, mas é um sistema que coloca nas mãos do povo a capacidade de moldar seu próprio destino. Devemos abraçar essa fragilidade inerente, reconhecendo que a democracia é moldada pelos seres humanos e, portanto, está longe de ser universal ou infalível.
“Não devemos esquecer que a democracia é um sistema que pode ser imperfeito, muitas vezes complicado e até frustrante em suas realizações. No entanto, quando consideramos as alternativas que a história nos apresentou, desde a tirania até a opressão, fica claro que a democracia, apesar de todos os seus defeitos, é ainda a forma mais justa e equitativa de governo já concebida pelos seres humanos.” – Winston Churchill”.
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.
Leia também: