Habitualmente, o ser humano, ao se deparar com o conflito, tende a reagir de diversas maneiras: Pode se sentir recluso e estagnado, pois o estranhamento intimida; ou pode entrar em um embate, optando por proteger valores e conceitos e refutando o apresentado; ou ainda, pode se apresentar empático com a situação apresentada e, através do estranhamento, passar a questionar os conceitos e valores internalizados durante toda uma vida de construções sociais. A forma com que esse tipo de conflito é encarado demonstra o quanto é possível alterar, ou não, os valores morais e éticos desenvolvidos durante a construção da cognição.
Anteriormente, observamos o comportamento dos eleitores de Porto Alegre quando questionados sobre o seu grau de concordância a frases que demonstravam um claro embate de gênero nas questões políticas. Esta análise nos proporcionou entender que, para grande parte da população, não existe diferenças quando se trata de poder político entre homens e mulheres. Também, as decisões tomadas por mulheres em assuntos políticos possuem maior peso e veracidade em comparado com as decisões tomadas por homens e observamos que a fé é influenciadora quando a disputa de gênero prevalece.
Hoje, nos aprofundaremos em três frases de concordância que se destacaram na pesquisa exclusiva realizada pelo Instituto Methodus. O objetivo é analisar se realmente a concordância à um alinhamento se transforma em destinação de voto à candidatos e candidatas que possuem as características testadas, ou se, inversamente, o eleitor respondente dessa pesquisa demonstra concordância quando deparado com o estranhamento, mas não possui motivação suficiente para transformá-la em ação.
Ao realizarmos o cruzamento dos percentuais de concordância com as frases: Só voto em candidatas mulheres; Confio mais em decisões políticas tomadas por mulheres e; Eu votaria em uma mulher se ela fosse pastora evangélica, com os nomes de possíveis candidatos e candidatas testados para o pleito à Prefeitura de Porto Alegre em 2024, observamos o quanto a concordância se reflete em ação propriamente dita, ou não.
Para fins de análise comportamental, os nomes testados na pesquisa de novembro foram agrupados em duas variáveis distintas: Possíveis candidatos do gênero masculino e Possíveis candidatas do gênero feminino. Também, estão suprimidas, para melhor visualização dos dados e entendimento das reais disputas de gênero existentes, ou não, nas escalas de concordância as opções “Indiferente” e “Não sabe” e, na simulação realizada com os nomes dos possíveis candidatos e candidatas testados, as opções “Branco/Nulo” e Não sabe”.
“Só voto em candidatas mulheres”
Quando observamos a concordância com esta frase por um recorte de gênero, constatamos que, dos eleitores porto-alegrenses, um percentual mais significativo de mulheres (14%) informa que, habitualmente, durante os pleitos eleitorais que participa, destina seu voto a candidatas mulheres disponíveis, enquanto uma parcela muito baixa de homens (2%) toma esta mesma atitude. Agora, quando realizamos o cruzamento da concordância com a simulação realizada com os nomes dos possíveis candidatos, obtemos como resultado os seguintes percentuais de ação:
Perceba que, de fato, das respondentes do gênero feminino que concordaram com a afirmação de que, em um pleito eleitoral, destinam seu voto somente para candidatas mulheres, em uma simulação real de escolha de voto, efetivamente realizaram esta destinação. Enquanto este alinhamento não foi percebido pelos respondentes do gênero masculino. É relevante entender que a amostra de concordância à afirmação dos respondentes masculinos é indubitavelmente baixa, o que não possibilita a afirmação de que exista um alinhamento entre concordância e destinação de voto.
“Confio mais em decisões políticas tomadas por mulheres”
Na análise de gênero, a concordância à esta afirmação, da mesma forma que a anterior, encontrou maior aderência em respondentes do gênero feminino (36% concordam) em comparado com os resultados dos respondentes de gênero masculino (17% concordam com a afirmação). Ao fragmentarmos estas concordâncias e compararmos com a destinação de voto a possíveis candidatos de ambos os gêneros testados, encontramos os seguintes resultados:
Note que, quando o enfrentamento se dá pela confiança sobre decisões essencialmente políticas realizadas por mulheres, a destinação de voto corrobora com a concordância. Observamos que, em ambos os recortes de gênero, existe um alinhamento maior entre os dois fatores (voto e concordância), com uma tendência superior apresentada pelas eleitoras do gênero feminino, que alocam suas preferencias em candidatas do mesmo gênero.
“Votaria em uma mulher se ela fosse pastora evangélica”
Última, mas não menos importante, das frases testadas neste estudo, a concordância entre a fé e a escolha, observada por um recorte de gênero dos respondentes ouvidos obteve, diferentemente das frases anteriores, um maior alinhamento entre os eleitores do gênero masculino (30%) do que entre as eleitoras do gênero feminino (28%). Ao cruzarmos os dados de concordância com as simulações, observamos os seguintes resultados:
Observe que, neste caso, a destinação de voto se deu no sentido inverso à concordância. A justificativa deste fenômeno se deve ao fato de que, até o momento não existe especulação, no cenário político porto-alegrense para disputa à Prefeitura em 2024, de candidata ou candidato que possua o cargo de regente espiritual. Logo, a observação deste alinhamento de concordância e destinação de voto se baseia, principalmente, na influência da fé em escolhas e decisões, inclusive as políticas.
Considerações
Agrupando os resultados de todos os recortes apresentados, é possível concluir que, quando mulheres externalizam seu apoio a candidatas do mesmo gênero, elas efetivamente optam pela tentativa de eleição destas candidatas. Porém, a externalização deste apoio ainda se mostra em um nível muito baixo entre as respondentes, o que limita a quantidade de adesão em uma campanha voltada somente para o público feminino.
A confiança em decisões tomadas por mulheres abarca eleitores de ambos os gêneros, que em parte refletem em voto este sentimento. Psicologicamente, a teoria nos proporciona dizer que, quando em decisões que necessitem de atenção e parcimônia, as mulheres são as mais indicadas, visto suas características psicológicas. Já os homens se enquadram em decisões onde seja necessário um embate mais ferrenho, por terem como características psicológicas a agressividade e ação direta. Campanhas políticas podem utilizar destas características para exaltar o quanto a decisão tomada por mulheres na política valida o comportamento e abarca os eleitores de ambos os gêneros.
O voto da fé é o voto baseado na influência de vida que aquele ou aquela líder religiosa possui perante os seus fiéis. Culturalmente, as relações de hierarquia e influência religiosa se justificam entre si. Seguidores de determinada religião percebem em seu líder alguém que deva ser seguido, pois possui o dom do “divino”. Na política, mesmo que no cerne dos praticantes de determinada religião, que no caso do nosso estudo se tratou da religião evangélica, buscam para si o exemplo de vida e de escolhas apresentado por seus líderes. Isto gera uma confiança difícil de ser rompida, e que se reflete nas escolhas de representantes políticos. Logo, a escolha de votar em uma candidata mulher por ela ser pastora evangélica demonstra a internalização desta confiança na hierarquia religiosa.
De fato, quando tratamos de campanhas políticas para cargos do Executivo, alinhamentos e concordâncias precisam ser identificadas para que esta campanha, e as dificuldades que por ela são apresentadas, principalmente quando se trata de candidaturas femininas e cenários de disputas ideológicas e de gênero, sejam projetadas e estratégias de ação sejam criadas, rumo a efetiva eleição de representantes.
Criar posicionamentos e campanhas políticas, baseadas em um alinhamento pessoal sem buscar entender o comportamento político dos eleitores se mostra um tanto quanto perigoso, pois reduz a quantidade de eleitores que possam se sentir representados. A candidata que deseja ter sucesso em uma campanha eleitoral precisa, além de todos os enfrentamentos de escolhas partidárias e decisões internas, ter no seu horizonte que será necessário manter sempre o comportamento dos eleitores no topo dos entendimentos necessários para uma campanha bem-sucedida.
Até Breve.
Schaiany Stallivieri é Socióloga, Pós-graduanda em Ciência Política, pesquisadora em Comportamento Político e Analista de Pesquisas do Instituto Methodus.