Este artigo parte daquilo que chamo de teoria da insubstituição, segundo a qual Bolsonaro e Lula não apenas lideram, mas monopolizam a representação política de seus campos. À primeira vista, essa afirmação pode soar desconfortável, já que o senso comum sugere que toda liderança pode ser substituída. Na prática, porém, não é o que ocorre.
O comportamento do eleitor brasileiro, quando confrontado com disputas que opõem Bolsonaro e Lula, revela-se profundamente personalista: a decisão de voto está diretamente vinculada às características individuais de cada um. A literatura política já reconhece o fenômeno da personalização, mas aqui propomos uma leitura distinta: não se trata apenas de um traço de estilo, e sim de um processo que torna esses líderes efetivamente insubstituíveis em seus campos.
Esse é o pano de fundo indispensável para compreender a disputa eleitoral no Brasil.
Ao nos afastarmos da crença, difundida pelo mercado de opinião, de que Lula ou Bolsonaro poderiam ser substituídos por figuras políticas equivalentes, passamos a enxergar o cenário sob outra perspectiva — o que altera a forma de investigar a dinâmica política e seus desdobramentos até a eleição de 2026.
Em primeiro lugar, é necessário compreender o papel da direita no país. Ela não encontra representação em um único partido ou liderança, mas se dispersa em um espectro ideológico amplo, atravessado por múltiplas matizes.
Em segundo lugar, o desempenho histórico de Lula e do PT comprova a solidez da esquerda. No Rio Grande do Sul, Lula alcançou, em média, 40% dos votos no primeiro turno das eleições de 2002, 2006 e 2022. Em âmbito nacional, no mesmo período, obteve a média de 47,8% dos votos válidos, consolidando o PT, sob sua liderança, como polo competitivo da disputa, mesmo em cenários de forte ascensão da direita.
Em terceiro lugar, Bolsonaro está impedido de concorrer. Ainda que tente indicar um sucessor, a personalização de sua liderança cobrará seu preço. Um bom exemplo é a votação de Onyx Lorenzoni em 2022 que, apesar do profundo alinhamento com Bolsonaro, não conseguiu reproduzir o mesmo desempenho no primeiro turno: enquanto Bolsonaro somou 3.245.023 votos no estado, Onyx alcançou 2.382.026. Ou seja, 862.997 eleitores que haviam escolhido Bolsonaro não repetiram o voto em seu candidato ao governo, evidenciando que a transferência não é automática e que o eleitor decide segundo a avaliação individual que faz das qualidades e limitações de cada candidato.
Por fim, o quarto e mais importante eixo desta análise é a fragmentação da direita, marcada por vários candidatos que ainda acreditam no plano de concorrer para chegar ao segundo turno, ignorando a força do voto personalizado em Lula.
Desde 2002, o PT nunca deixou de figurar entre os dois primeiros colocados no Brasil e, em duas ocasiões, Lula esteve muito próximo de liquidar a disputa já no primeiro turno. Na sua reeleição de 2006, contra Geraldo Alckmin, faltaram apenas 1,5 pontos percentuais (cerca de 1,5 milhão de votos). Em 2022, contra Bolsonaro e após doze anos afastado do poder, faltaram cerca de 1,7 pontos (cerca de 2 milhões de votos). Para 2026, nada indica que seu desempenho venha a ser inferior à sua série histórica. Esses dados demonstram que a força de Lula não se limita ao PT, mas se concentra em sua figura pessoal — tornando seu voto efetivamente insubstituível.
A simulação desta edição da pesquisa Vozes da Classe Média confronta diretamente essa lógica. Em vez de apostar em substituições artificiais ou reforçar uma polarização pré-fabricada, testamos todos os candidatos simultaneamente, tal como se apresentam até agora. O objetivo é oferecer um retrato mais fiel da disputa em curso, refletindo a participação efetiva de cada nome e, ao mesmo tempo, testando a teoria da insubstituição que marca o cenário político brasileiro.

Na ausência do Messias, evidencia-se a fragmentação da direita, em contraste com a unidade histórica do voto em Lula (PT).
O petista lidera com 49,4% das intenções de voto — resultado que não surpreende, mas reafirma a existência de uma base fiel, que não substitui Lula por outro nome. Em comparação, Bolsonaro obteve, em 2018 e 2022, média de 50,1% dos votos no Rio Grande do Sul, reforçando a personalização de sua liderança diante da dispersão dos nomes testados à direita. Esse é justamente o desafio da personalização do voto: o eleitor não transfere automaticamente sua escolha, pois decide com base na relação direta que estabelece com a liderança. Por isso, é ilusória a expectativa de que o capital político possa ser simplesmente herdado por outros nomes, ainda que próximos.
Tarcísio de Freitas (Republicanos) ocupa a segunda colocação com 23,3%, mas permanece distante de uma disputa direta. Michele Bolsonaro (PL) alcança 12,8%, revelando a dificuldade de converter a lealdade do eleitorado bolsonarista em apoio próprio. Eduardo Leite (PSD), com 10,0%, evidencia os limites domésticos de sua projeção nacional. Já Romeu Zema (NOVO), com 3,3%, e Ronaldo Caiado (União Brasil), com apenas 0,5%, figuram como candidaturas marginais, sem viabilidade real no recorte da classe média.
A partir do comportamento da classe média gaúcha, é possível inferir uma nova perspectiva para a disputa nacional: a fragmentação da direita no primeiro turno da eleição de 2026 pode abrir caminho para o quarto mandato de Lula.
Essa possibilidade não decorre apenas da força do PT, mas sobretudo da insubstituibilidade de sua liderança — fenômeno que também se repete no campo bolsonarista.
A política não se sustenta em suposições, mas em conhecimento. E os dados evidenciam que, no Brasil contemporâneo, Lula e Bolsonaro seguem como lideranças insubstituíveis.
José Carlos Sauer – é graduado em Filosofia e mestrando em Filosofia Política pela PUC-RS. Com 25 anos de experiência em campanhas eleitorais no Brasil, é diretor do Instituto Methodus e consultor especializado em comportamento político. Atua com excelência na condução de pesquisas de opinião, interpretação de dados e desenvolvimento de análises estratégicas.
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Pesquisa Vozes da Classe Média – Metodologia
A pesquisa foi realizada com 600 entrevistas digitais, aplicadas por meio de plataformas acessadas via smartphones, tablets e computadores. O recrutamento dos respondentes ocorreu de forma orgânica e dirigida, durante a navegação cotidiana em ambientes digitais.
A amostra foi calibrada com base nas variáveis sexo, idade, escolaridade, renda e região, assegurando a representatividade do eleitorado gaúcho. A margem de erro é de ±4 pontos percentuais, com nível de confiança de 95%.
O público-alvo da pesquisa é composto por eleitores com ensino médio ou superior completos, mais de 35 anos e inserção ativa no mercado de trabalho. Esse grupo representa aproximadamente 40% do eleitorado do Rio Grande do Sul e é especialmente sensível às variações econômicas e à efetividade das políticas públicas, sobretudo nas áreas de segurança, emprego, educação e desenvolvimento regional.
A pesquisa utilizou a Methodus ID – Inteligência Digital, metodologia exclusiva do Instituto Methodus para coleta, calibração e análise de dados via plataformas digitais, com foco em representatividade eleitoral.