Comecei 2023 com muitas promessas de ano novo, incluindo a redução do tempo que gasto nas redes sociais ou usando aplicativos em meu smartphone, o famoso tempo de tela. Passados seis meses, posso afirmar que falhei miseravelmente. O certo é que não sou uma exceção, pois a todo momento são publicados relatórios indicando que os brasileiros são consumidores vorazes das redes sociais, em uma fronteira tênue com o uso descontrolado. Quase 30 anos após a disseminação comercial da Internet, o uso das redes sociais passou a ser uma preocupação de saúde pública. Como também um problemão para muitas democracias.
O primeiro uso da Internet em campanhas eleitorais foi em 1996, quando Bill Clinton foi eleito presidente americano em uma campanha contra o Republicano Bob Dole. O uso da Internet para fins eleitorais só crescia e muitos passaram a considerá-la inseparável à democracia. Com a ampliação do acesso, somada às constantes inovações no uso das redes sociais, as possibilidades de melhorias em processos eleitorais ou controle social pareciam ilimitadas. E foi o que se viu desde então: do registro ou habilitação da situação eleitoral a tentativas frustradas de votação online. Não apenas em ações promovidas por autoridades eleitorais, como também em iniciativas das maiores empresas da Internet como debates transmitidos online ou mapeamento das zonas eleitorais.
Os anos 2000 se iniciam com vagas abertas para coordenadores digitais em comitês eleitorais e gabinetes de congressistas. O próximo passo foi a compra de anúncios no Facebook, mesmo antes da plataforma oferecer uma ferramenta pública para comercialização de anúncios. O céu parecia o limite, mas o inferno se mostrou não tão distante. Em 2000, ocorreu a primeira crise eleitoral na Internet — o Googlebombing —, quando um site humorístico manipulou o mecanismo de busca do Google para as buscas por “dumb motherf****r” — filho da p*** estúpido, em tradução literal — direcionasse os resultados para o site da campanha de George W. Bush. Em 2006, George Allen — senador pelo estado da Virgínia, e candidato às prévias presidenciais dos Republicanos — teve sua carreira política encurtada quando um vídeo, onde ele dirige ofensas raciais a um membro da oposição, viralizou. O recado foi dado à classe política: com as redes sociais, a privacidade se tornou um luxo para poucos.
A Internet, especialmente as redes sociais, é a maneira mais dinâmica e democrática de informar aos cidadãos sobre políticas públicas e os trâmites políticos que influenciam no cotidiano dos municípios, estados, países e até mesmo blocos econômicos globais. É compulsório aos políticos em mandato que usem as redes sociais como meio para a prestação de contas sobre sua atuação. O problema é quando se confunde transparência com superexposição. O filosofo sul-coreano Byung-Chul Han — no ótimo livro “A Era da Transparência” — estabelece uma diferenciação entre transparência e pornografia — quando não há complexidade, mas sim uma relação direta entre olho e imagem. O conceito não é tão complicado quanto parece: quando não escondemos nada, corremos o risco de nos tornarmos pouco relevantes. Comprei duas cópias desse livro, e presenteie um político proeminente com uma cópia com a dedicatória:
Não há interesse público em sua vida privada.
O político do caso nunca me falou o que achou do livro. Creio que não leu, pois suas redes sociais continuaram invadidas por publicações que só faziam sentido para familiares, conhecidos ou apoiadores. Passados três anos, o político foi derrotado na tentativa de reeleição, mas suas redes sociais continuam operando da mesma forma. É compreensível essa tentativa de se fazer relevante online. O boom das redes sociais por políticos brasileiros é resultado do sucesso das campanhas presidenciais de Barack Obama e da relevância que movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua construíram nas manifestações de 2013. E foram, sem dúvidas, dois casos de sucesso do uso dessas plataformas para fins político-eleitorais. O MBL, por exemplo, tornou-se uma espécie de simulação de partido político, ofertando análises políticas — rasas, mas inquestionavelmente palatáveis — em forma de memes. Porém, mesmo o MBL sofreu com o uso desmedido das redes sociais quando o Mamãe Falei — uma de suas lideranças mais ativas nas redes sociais — falou o que não devia em um grupo de WhatsApp e acabou tendo o seu mandato cassado.
Quero deixar claro, que o problema não é as redes sociais, mas como essas plataformas são usadas para se fazer política. Mais precisamente, o limite entre vidas privadas e atuação profissional nas redes sociais. Em 2013, quando os políticos sonhavam em ser os próximos Obama, eu conduzi dezenas de encontros com candidatos e militantes políticos. O foco dos encontros era discorrer sobre a Fórmula de Ouro para o uso das redes sociais, baseado em três eixos: família, trabalho e posições. Onde 20% das publicações focariam no cotidiano fora dos gabinete e plenários; 30% seriam prestação de contas sobre proposições, votações e emendas; e 50% com opiniões sobre os debates em pauta no cenário político, deixando claro para seus eleitores como tais posicionamentos impactarão em sua atuação política-partidária. O fazer política é, antes de tudo, defender posições. Os eleitores não votam em um candidato por ele ou ela ser só bom de serviço, ou por ser uma pessoa com uma família numerosa, ou passatempos curiosos, mas por sua habilidade política que tornam ideias em políticas públicas.
Não há interesse público na vida privada do político. Como também não há aversão em conhecermos um pouco mais sobre a vida do candidato, compreendemos que ele ou ela é gente como a gente. O problema é o excesso. O eleitor votará em quem tem menos tempo de tela e mais tempo trabalhando por causas em pró da comunidade. O voto se ganha nas conversas nas ruas e nas articulações republicanas em plenários ou gabinetes, não em selfies publicadas no Instagram.
Paulo Petitinga é estrategista político, mestre em Comunicação e Opinião Pública pela Universidade Católica de Brasília, e pesquisador-convidado do Labô – Laboratório de Política, Comportamento e Mídia, da PUC-SP.
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