O conceito de Homo Suffragator, apresentado por Michael Bruter e Sarah Harrison no livro A New Approach to Electoral Psychology (Uma Nova Abordagem para a Psicologia Eleitoral), significa, literalmente, “pessoa que pode votar”. Segundo os autores, a posse do poder de voto está intrinsecamente ligada à natureza humana e à nossa interação social, influenciando mecanismos psicológicos que determinam o exercício ou não desse direito.
O constructo Homo Suffragator reflete os rótulos atribuídos aos estágios da evolução humana, caracterizados por comportamentos tipicamente humanos. Por exemplo, a capacidade de produzir ferramentas foi adquirida pelo Homo habilis; o Homo erectus aprendeu a dominar o fogo e a cozinhar; o Homo neanderthalensis desenvolveu a habilidade de construir moradias e usar roupas. Finalmente, foi o Homo sapiens (estágio atual da evolução humana) que primeiro dominou a linguagem e passou a transmitir conhecimento.
Os autores não sugerem que a forma como nossa comunidade é governada seja equivalente a essas habilidades e comportamentos fundamentais da evolução. No entanto, eles propõem uma reflexão: Como a democracia modificou a condição humana?
Desde o surgimento da democracia ateniense, a possibilidade de votar estabeleceu-se como um direito central dos cidadãos. Pode-se argumentar, inclusive, que o direito ao voto é a única característica compartilhada entre as democracias antigas e modernas, sendo, portanto, a base da nossa compreensão sobre o que significa a democracia.
Dado o papel fundamental do voto no desenvolvimento da história democrática, torna-se essencial aprofundar a análise do conceito de Desalento Eleitoral. Os eleitores desalentados são aqueles que, devido à frustração, desilusão ou apatia, optam por não participar dos processos eleitorais. Este grupo pode incluir cidadãos que sentem que sua voz não é ouvida, que os candidatos e partidos disponíveis não representam seus interesses ou que o sistema é inerentemente corrupto ou ineficaz.
Presente ao longo de toda a história da democracia eleitoral brasileira, o número de desalentados vem crescendo de maneira surpreendente desde 2013, chegando, em minha avaliação, a influenciar tanto a ascensão do voto na direita quanto a crise de identidade da esquerda.
Essa alegação é ambiciosa e potencialmente inovadora, especialmente quando analisada sob dois eixos:
- O crescimento do Desalento Eleitoral tem sido mais acentuado nos grandes centros urbanos do país. Atualmente, a maioria numérica dos votos vem das cidades do interior do Brasil, o que influência a escolha política conservadora, com maior influência religiosa e com uma pauta de costumes acentuada.
- Os eleitores desalentados são, em sua maioria, jovens de até 35 anos, com formação completa ou incompleta no ensino fundamental, sendo as mulheres o grupo predominante. Diferentemente do que se costuma acreditar, a maioria dos eleitores desalentados está em uma faixa etária produtiva e possui características sociais e econômicas distintas do grupo de eleitores que vota e reside no interior. Esses desalentados abdicaram do voto por frustração, pelo fracasso das eleições anteriores e pela sensação de que, de qualquer forma, “as coisas não podem piorar mais”.
Como exemplo, apresento o histórico dos últimos 24 anos de eleições na capital do Rio Grande do Sul. Capital que já foi símbolo da participação política e que carregou por longos anos a fama de politizada.

O gráfico anterior e o próximo, sugerem algumas hipóteses que investigam a frustração, a apatia e a desesperança como motivos para esta mudança radical no comportamento do eleitor ao longo das últimas eleições.

A eleição de 2024, consolida um comportamento, observado nas grandes cidades brasileiras, e que não deve se modificar naturalmente.
Os resultados, apresentados abaixo, corroboram para compreensão da mudança comportamental dos eleitores nas eleições de 2024:
São Paulo – 3.605.433 Desalentados X 3.393.110 Votos em Ricardo Nunes – MDB
Rio De Janeiro – 1.930.202 Desalentados X 1.861.856 Votos em Eduardo Paes – PSD
Salvador – 640.582 Desalentados X 1.045.690 Votos em Bruno Reis – UNIÃO BRASIL
Belo Horizonte – 744.873 Desalentados X 670.574 Votos em Fuad Noman – PSD
A consolidação do Desalento Eleitoral, conforme demonstrado neste artigo, apresenta desafios consideráveis para partidos políticos e dirigentes nas eleições de 2026. Diante disso, torna-se essencial aprofundar e ampliar o conhecimento sobre as motivações e percepções destes eleitores, para essa análise, proponho três eixos estratégicos que merecem atenção :
1 – As Causas do Desalento Eleitoral
Embora a frustração política e a percepção de que “as coisas não podem piorar mais” sejam fatores centrais do desalento eleitoral, é necessário aprofundar a análise de aspectos estruturais e conjunturais que impulsionam esse fenômeno, tais como:
- O impacto das crises econômicas, sociais e climáticas na desilusão dos eleitores e na percepção de falta de alternativas concretas para problemas reais .
- O papel das redes sociais na amplificação da apatia política e na propagação de discursos que reforçam a desconfiança no sistema eleitoral.
- O enfraquecimento da identificação partidária e a desmobilização das bases tradicionais de engajamento político.
2 – A Relação entre Desalento e Conservadorismo
Ao longo desta análise, argumentei que o desalento eleitoral contribui para o avanço do voto na direita, enquanto enfraquece a esquerda. No entanto, essa relação exige maior detalhamento e um exame mais aprofundado de questões como:
- A composição do eleitorado conservador: O desalento eleitoral resulta necessariamente em maior adesão à direita ou não? Será está uma falácia ecológica a ser revisada?
- O papel da esquerda na mobilização política: A suposta crise de identidade da esquerda decorre da ausência dos eleitores desalentados, por serem potenciais eleitores da esquerda, ou do desafio em construir uma narrativa eficaz para este novo momento da política nacional?
3 – É Possível Reverter o Desalento Eleitoral?
No ensaio identifico um problema estrutural relevante, mas que ainda carece de propostas concretas para enfrentá-lo. Portanto, seguimos atentos a algumas questões fundamentais que precisam de respostas:
- Como reengajar os desalentados no processo eleitoral? Quais estratégias podem ser adotadas para reconquistar esse eleitorado?
- Qual o papel dos partidos e das lideranças políticas na reversão desse quadro? Existem novas formas de mobilização mais eficazes?
- Medidas institucionais, como o voto facultativo ou uma reforma política, poderiam impactar o desalento eleitoral?
Por princípio, rejeito a hipótese de retorno dos eleitores na próxima eleição, o histórico indica, que este “estoque” de votos, não será acessado pelos meios tradicionais. Será necessário aprofundar e ampliar o conhecimento sobre as motivações dos desalentados, para posteriormente resgatá-los.
Como apresentei, o Desalento Eleitoral consolidou-se como um fenômeno estrutural e crescente no Brasil, afetando diretamente a dinâmica eleitoral e a representatividade política. Os dados demonstram que as capitais lideram o desalento, superando inclusive os votos obtidos pelos prefeitos eleitos.
As eleições de 2026 representarão um teste crucial para avaliar se o desalento continuará a crescer ou se será possível revertê-lo através de novas formas de mobilização e representação política.
Afinal, nosso Homo Suffragator retornará ao exercício do voto ou continuará sendo somente um observador dos destinos de nossa nação?
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José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, Pesquisador em Comportamento Político no – Labô , Consultor e Diretor do Instituto Methodus. Nos últimos vinte e cinco anos, orientou políticos, governos e instituições nos Estados do Rio Grande do Sul, Acre, Roraima, Amazonas, Tocantins, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e Goiás.