Na era digital em que vivemos, as fronteiras entre realidade e ficção estão se tornando cada vez mais tênues, especialmente no mundo da política. O surgimento de tecnologias de inteligência artificial, como os deepfakes, trouxe consigo um novo desafio para a sociedade: a manipulação de mídia de maneira tão convincente que é difícil distinguir o que é genuíno do que é fabricado. Nesse contexto, a disseminação de desinformação e a influência sobre a opinião pública ganham novas dimensões, criando uma paisagem política complexa e muitas vezes turbulenta.
Os deepfakes representam uma evolução alarmante das fake news tradicionais, pois não se limitam apenas a artigos escritos ou postagens em redes sociais, mas podem recriar imagens e vídeos falsos de indivíduos em situações comprometedoras ou declarações falsas. Essa capacidade de manipulação de mídia levanta sérias preocupações sobre a integridade das eleições, a estabilidade política e a confiança nas instituições democráticas.
Nesta análise, exploraremos não apenas a tecnologia por trás dos deepfakes e suas implicações políticas, mas também os aspectos comportamentais que tornam essa forma de desinformação tão poderosa. Examina-se como os deepfakes exploram a propensão humana à confiança na informação visual e auditiva, bem como essa tecnologia pode agravar a polarização política e minar a confiança pública nas instituições.
Além disso, consideraremos um exemplo concreto de deepfakes na esfera política, incluindo incidentes que ocorreram durante campanhas eleitorais e debates políticos, destacando os danos potenciais que podem causar à integridade do processo democrático.
Uma das distinções mais marcantes entre deepfakes e fake news é a forma como cada um manipula a percepção da realidade. As fake news muitas vezes dependem de textos escritos ou imagens estáticas para transmitir uma mensagem falsa ou distorcida. Embora possam ser persuasivas, sua credibilidade muitas vezes pode ser questionada por meio de verificação de fatos ou análise crítica.
Por outro lado, os deepfakes se valem de tecnologias avançadas de inteligência artificial para manipular mídia audiovisual de uma maneira altamente convincente. Isso significa que não se trata apenas de criar histórias falsas, mas de fabricar evidências visuais ou auditivas que pareçam autênticas. Essa habilidade de criar conteúdo falso com alto grau de realismo torna os deepfakes incrivelmente poderosos e perigosos, pois podem enganar até mesmo os observadores mais atentos.
Além disso, os deepfakes são notoriamente difíceis de detectar, especialmente para o público em geral. Enquanto as fake news tradicionais muitas vezes podem ser desmascaradas por meio de verificações de fatos ou investigações jornalísticas, os deep fakes podem enganar até mesmo especialistas treinados. Isso se deve em parte à sofisticação das técnicas de manipulação de mídia, que continuam a evoluir e se aprimorar com o tempo.
Portanto, a diferença fundamental entre deepfakes e fake news reside não apenas na natureza do conteúdo, mas também na forma como cada um manipula a percepção da realidade. Enquanto as fake news tradicionais dependem da disseminação de informações falsas, os deepfakes representam uma ameaça ainda mais insidiosa, criando uma realidade alternativa que é virtualmente indistinguível da verdadeira.
No caso que ganhou destaque e foi amplamente compartilhado nas redes sociais, a apresentadora do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos, exibiu um resultado de pesquisa onde o presidente Jair Bolsonaro aparecia em primeiro lugar, com 44% das intenções de voto, seguido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com 32%. No entanto, o vídeo era falso, tratando-se de uma manipulação.
Esse incidente representou o primeiro caso de deepfake registrado durante as eleições de 2022, como apurado por Cristina Tardáguila, colunista do Uol, que identificou a técnica utilizada no vídeo que simulava uma pesquisa de intenção de votos do Ipec.
O vídeo aborda uma questão crucial relacionada aos deepfakes, que vai além da tecnologia em si e mergulha nas implicações sociais e psicológicas de sua existência. Imagine uma situação em que uma pessoa está constantemente exposta a uma enxurrada de informações contraditórias e enganosas. Cada vez que ela verifica as notícias, é bombardeada com teorias da conspiração, rumores infundados e relatos sensacionalistas. A confusão e a incerteza se instalam, levando-a a questionar a validade de qualquer informação que encontre. À medida que essa pessoa continua a ser exposta a essa avalanche de desinformação, ela começa a desenvolver uma sensação de “apatia em relação à verdade”. Ela se torna desinteressada em verificar a veracidade das notícias, resignando-se ao fato de que tudo pode ser manipulado ou distorcido de alguma forma. A confiança na “verdade” começa a desmoronar, pois ela não consegue mais discernir entre o que é genuíno e o que é falso.
Como resultado, essa pessoa pode se tornar cada vez mais cética em relação a qualquer forma de informação, perdendo a fé nas instituições, na mídia e até mesmo na própria capacidade de discernir a verdade.
Nessa narrativa, vemos como a proliferação de desinformação pode levar à apatia em relação à realidade, resultando em um enfraquecimento da confiança na verdade que podemos definir em declínio. A falta de confiança na informação pode minar os pilares da sociedade democrática, comprometendo a capacidade das pessoas de se envolverem de maneira “informada” no processo político e social.
A ideia de que as pessoas podem se tornar tão desconfiadas a ponto de duvidarem de tudo o que veem e ouvem tem implicações profundas para a sociedade e a democracia. Se a verdade se torna uma questão subjetiva, onde qualquer coisa pode ser interpretada como falsa ou manipulada, a confiança nas instituições, na mídia e até mesmo na própria realidade é erodida.
Além disso, a disseminação de desinformação pode beneficiar os indivíduos desonestos, que podem usar a desconfiança generalizada para promover agendas políticas ou interesses pessoais.
No final da conta como dizia Winston Churchill: “Uma mentira dá meia volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir as calças”.
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.