Se você tivesse uma hora para conversar com alguém que tem ideias totalmente diferentes das suas, o que diria? Um encontro direto, a sós, para discutir política, direitos, meio ambiente, migração, guerra e paz. Um momento para ouvir e tentar entender, mesmo que não concorde, a perspectiva oposta. E, acima de tudo, uma oportunidade para sair da “bolha” em que estamos, muitas vezes parecendo uma prisão. O projeto começou de forma utópica em 2017 pelo jornal alemão Die Zeit. Inicialmente chamado de “Tinder” da política, era um simples experimento editorial. Com o tempo, centenas de pessoas responderam e tornou-se um projeto abrangente que envolve quase todos os países da UE. Enquanto a política está focada nas campanhas eleitorais, os cidadãos têm outra oportunidade de se confrontar, longe das redes sociais e dos holofotes. Talvez possam entender-se um pouco melhor.
O funcionamento é simples: você só precisa de um telefone ou computador e acesso à internet. Os interessados devem responder a sete perguntas sobre a Europa, clima, direitos e guerra. Após esta etapa, há três perguntas abertas para conhecer melhor os participantes e garantir uma melhor combinação com outras pessoas na Europa. Na última etapa, é necessário responder em inglês; se não tiver certeza sobre o idioma, pode usar uma plataforma de tradução. Depois de enviar, é só aguardar a combinação. Nesse ponto, será comunicada a dupla selecionada, e ambos poderão marcar um horário para conversar online por cerca de uma hora: os encontros serão realizados todos os sábados de abril e maio. Não haverá mais ninguém presente além dos participantes, que poderão escolher o horário de sua preferência.
Como Surgiu o Projeto – Tudo começou na Alemanha, com o jornal Die Zeit. O diretor do site Jochen Wegner explicou que falar sobre política entre pessoas com opiniões diferentes tornou-se muito difícil, não apenas na Europa. As redes sociais amplificam as “bolhas” em que vivemos, mas elas não são algo novo, estão em nossas mentes há muito tempo. A intuição de Wegner e seus colegas levou-os a criar o projeto “Europe Talks” em maio de 2017. O projeto inicialmente chamado de “Alemanha conversa consigo mesma” surpreendeu ao receber milhares de inscrições. O sucesso dessa edição inspirou a criação da plataforma internacional “My Country Talks” em 2018. O objetivo do projeto não é mudar as opiniões, mas sim dedicar tempo para ouvir o outro. Isso pode levar a uma redução da polarização e a uma maior tolerância, como mostrou um estudo de Harvard e Stanford em 2023.
A Versão 2.0 – Após reunir registros de mais de 290 mil pessoas em todo o mundo, o projeto chegou à quarta edição europeia em colaboração com o jornal polonês Gazeta Wyborcza. O projeto é co-financiado pela Comissão Europeia e pela UE. Os parceiros de mídia incluem jornais e revistas de diferentes países europeus. O objetivo final é promover discussões significativas entre pessoas com opiniões diferentes. Não se trata de mudar de ideia, mas de compreender e respeitar diferentes pontos de vista.
No entanto, ao considerar a possibilidade de aplicar essa abordagem no contexto brasileiro, surge um desafio importante: será que os brasileiros estariam dispostos a abrir-se para ouvir opiniões diferentes das suas? Diante de um momento histórico marcado por divisões profundas, a aceitação desse desafio poderia representar um passo crucial em direção à construção de uma sociedade mais inclusiva e resiliente.
Alessandro Rizza é Italiano, mora no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universitá degli Studi di Catania, na Itália. Mestre em Filosofia pela University College of Dublin, na Irlanda. Atualmente, é pesquisador em comportamento político e analista de pesquisas do Instituto Methodus.