Recentemente discorri sobre o “Vácuo da Direita e do Centro” no estado do Rio Grande do Sul, aprofundando os desafios que esses dois campos ideológicos enfrentam atualmente, especialmente em um dos estados mais conservadores do Brasil. Naquela análise, sugeri a possibilidade de uma reorganização partidária estadual, destacando o crescimento de forças políticas da direita que tradicionalmente não tinham expressividade local. Com essa reflexão, busquei revelar mudanças políticas sutis, quase imperceptíveis àqueles que não acompanham atentamente o cenário político regional.
Entretanto, considero fundamental avançar nesse debate, aprofundando a caracterização e a origem dessas posições políticas antagônicas. As categorias “esquerda” e “direita” surgiram entre os dias 28 de agosto e 11 de setembro de 1789, durante a Revolução Francesa, quando passou-se a denominar como “esquerda” e “direita” posições políticas opostas. Esses termos surgiram circunstancialmente, posicionando de um lado aqueles favoráveis ao direito de veto do rei, e de outro, aqueles que eram contrários (Tavares, 2024). Esse embate nos acompanha desde então; inevitavelmente, toda tomada de posição política está inserida, direta ou indiretamente, em algum ponto deste espectro.
Pouco, porém, se discute sobre o Centro, que, em minha opinião, pode ser considerado o filho bastardo daquele mesmo contexto histórico que gerou suas irmãs mais famosas: a esquerda e a direita. Para o autor Rui Tavares (2024), esquerda e direita são, ambas, a dicotomia principal da modernidade (Esquerda e Direita – Guia Histórico para o século XXI). Tal posição, inegavelmente nos delega mais problemas para resolver, porém, nos afasta daqueles que desejam ter o direito divino de governar sobre nós. Neste contexto, se esquerda e direita tem expressão social, tática e estratégica, como descreve Rui Tavares, é necessário contextualizar o significado do centro.
Usualmente observamos características intermediárias, situadas ao “centro”, traçando um perfil frequentemente qualificado como região de consenso e apaziguamento. O esforço para equilibrar posições divergentes encontra-se justamente no Centro, cuja neutralidade historicamente atraiu boa parte dos eleitores. No entanto, sucessivas crises políticas, sociais e sanitárias ao longo da última década cultivaram na sociedade uma crescente desconfiança em relação ao Centro, passando-se a considerar as qualidades de consenso e apaziguamento como sinônimo de indecisão e fraqueza.
O estreitamento dos espaços de diálogo e conciliação diante do alargamento de posturas mais rígidas reflete uma profunda mudança no comportamento do eleitor, que passou a perceber a afirmação radical de suas próprias posições como virtude. Este fenômeno, atualmente em curso, pode ser caracterizado como a principal crise do nosso século, atuando como Farol no mar da desinformação e ignorância, atraindo multidões que se encontravam perdidas após uma década de desesperança.
Hoje em dia, parece que nos acostumamos a ter pessoas assim por perto, amigos, parentes, colegas de trabalho que transformaram profundamente suas crenças sobre saúde, a imprensa, o governo, a indústria farmacêutica e muito mais nos últimos anos. Segundo Dan Ariely (2023), em sua obra Desinformação, a crescente onda de informações equivocadas não deixou ilesa nenhuma comunidade ou família.
Nesse cenário, a supremacia nos campos ideológicos opostos foi assumida por aqueles que acreditam que sua vitória depende do completo esmagamento dos adversários, opção tomada conscientemente por cidadãos que interpretam ações de consenso como meio para expropriação de suas novas crenças. Deixamos de perceber a política como um espaço de construção coletiva e passamos a vê-la somente como uma arena onde o único objetivo é derrotar completamente os adversários, ignorando que a essência da política reside justamente na capacidade de negociação e consenso.
Como resultado, observamos o aprofundamento do abismo ideológico, levando ao isolamento do Centro e comprometendo seu papel moderador, essencial para garantir o delicado equilíbrio entre as forças de Esquerda e Direita.
Exemplo recente dessa realidade pôde ser observado nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, nas quais as candidaturas ligadas ao Centro encontraram extrema dificuldade em se consolidar diante da forte polarização protagonizada por Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Esse contexto deixou explícito o isolamento eleitoral enfrentado pelos candidatos moderados, revelando a perda significativa do espaço político tradicionalmente ocupado pelo Centro.
Nesse sentido, fortalecer o Centro político exige, acima de tudo, resgatar a confiança perdida na capacidade de diálogo e na moderação como atributos essenciais à governabilidade. Torna-se necessário fomentar lideranças capazes de reafirmar o valor do consenso político, além de intensificar esforços na educação cidadã que esclareçam os danos causados pela radicalização e pela desinformação. É igualmente importante valorizar mecanismos institucionais que assegurem representação efetiva às posições moderadas, permitindo que o Centro recupere seu espaço legítimo na política brasileira.
Este ensaio não pretende esgotar o assunto, mas sim, provocar a reflexão e promover o conhecimento. O debate envolvendo forças ideológicas pode ser mensurado por pesquisas e apresentado como definitivo, contudo, ele é muito mais resultado de nossas descobertas e posicionamentos individuais do que efetivamente uma manifestação política concreta.
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José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, pesquisador especializado em comportamento político, consultor estratégico, analista de dados e diretor do Instituto Methodus. Com mais de 25 anos de experiência no cenário eleitoral brasileiro, consolidou seu conhecimento sobre dinâmica do comportamento eleitoral, análise de tendências e desenvolvimento de estratégias políticas eficazes. Sua atuação se destaca na transformação de dados em inteligência aplicada, otimizando campanhas e decisões dentro de ambientes políticos altamente competitivos.