A trajetória ideológica da Região Sul do Brasil entre 2014 e 2022 expõe um reposicionamento marcante do eleitorado rumo à direita do espectro político. A análise dos votos válidos para deputado federal nos três estados — Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná — revela que, embora o avanço conservador se manifeste em toda a região, as nuances locais ajudam a entender os ritmos e resistências do processo.
Em 2014, o cenário ainda era marcado por maior diversidade ideológica. No Rio Grande do Sul, o Partido dos Trabalhadores liderava a votação, com ampla vantagem, mesmo diante de uma base sólida da centro-direita e da direita. No Paraná, a centro-direita predominava, mas com espaço para correntes de centro-esquerda. Em Santa Catarina, o conservadorismo já era predominante, antecipando tendências que se intensificariam a partir do ciclo seguinte.
A inflexão decisiva ocorre em 2018. Em todos os estados, a direita ultrapassa as demais forças ideológicas, tornando-se majoritária tanto em votos quanto em representação. O movimento conservador se articula com mais clareza, impulsionado pelo contexto nacional de polarização e pela ascensão do bolsonarismo. O eleitorado sulista, historicamente identificado com valores liberais, empresariais e de ordem, responde aderindo de forma ampla ao discurso da nova direita.
O ciclo de 2022 aprofunda essa dinâmica, mas revela também tensões internas. No Rio Grande do Sul, a esquerda demonstra capacidade de resistência, recuperando parte do terreno perdido. A centro-esquerda, por outro lado, segue em declínio, fenômeno que se repete no Paraná, onde sua presença, embora ainda perceptível em 2018, praticamente desaparece. Já em Santa Catarina, a direita se consolida de maneira quase hegemônica, com baixíssima penetração de campos ideológicos alternativos.
O mapa político do Sul, portanto, não é homogêneo. Enquanto Santa Catarina se firma como bastião da nova direita, o Rio Grande do Sul resiste parcialmente à maré conservadora, preservando bolsões progressistas e uma disputa mais equilibrada. O Paraná ocupa posição intermediária: embora com avanço da direita, registra retração mais abrupta das esquerdas do que o RS.
A consolidação ideológica da direita no Sul, combinada à fragilização do centro político, oferece pistas para os próximos embates eleitorais. Mais do que apenas acompanhar os números, compreender essas trajetórias ajuda a decifrar o comportamento político da região, suas referências históricas e os sentidos que o eleitor atribui à ideia de representação. Em uma conjuntura nacional cada vez mais tensionada, o Sul confirma seu papel central na configuração da correlação de forças, ora como vetor de avanço conservador, ora como fronteira instável da polarização.
José Carlos Sauer é formado em Filosofia pela PUC-RS, pesquisador em comportamento político, consultor estratégico, analista de dados e diretor do Instituto Methodus. Com mais de 25 anos de experiência no cenário eleitoral brasileiro, destaca-se na análise de tendências e no uso inteligente de dados para estratégias competitivas eficazes.
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